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Blade Runner expressa a falência do urbanismo do Movimento Moderno e representa também a postura pós-moderna crítica do esgotamento da cidade utópica do futuro


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GNOATO, Salvador. Blade Runner. A cidade pós-futurista. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 053.01, Vitruvius, out. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.053/533>.

O filme

Blade Runner, com o título em português Caçador de Androídes, dirigido por Ridley Scott, foi um cult-movie dos anos 1980. Sua música, composta por Vangelis ex-integrante da banda Aphodite's Child, autor de outras trilhas sonoras, como Chariots of Fire, fez o mesmo sucesso do filme, mas o uso de instrumentos eletrônicos, característicos de sua década, fez com que esta trilha sonora, embora de excelente qualidade, ficasse um pouco datada.

Baseado em romance homônimo, o filme, embora não contasse com o aparato de altíssima tecnologia de seus contemporâneos Steven Spilberg e George Lucas, tem execução técnica que nada deixa a desejar.

Além dos seus aspectos “pós-futuristas”, o filme tem uma história policial e um love afair bem desenvolvidos. O ponto focal da trama consiste na dúvida do policial Deckard, interpretado por Harrison Ford, ser também um andróide.

O detetive aposentado Deckard foi convencido pelo capitão Bryant, interpretado por Edward James Olmos, para eliminar quatro “replicantes”, que viviam clandestinos na cidade.

Os “replicantes” eram fabricados pela empresa Nexus sob o comando do poderoso Tyrell, para missões específicas, que quando concluídas deveriam ser eliminados. O problema destes “andróides” era ausência de passado e inexperiência emocional.

Deckard conhece Rachel, interpretada por Sean Young, por que desenvolve um afair, uma “replicante” especial segundo seu superior Tyrell. O primeiro encontro acontece em um escritório de amplas dimensões, localizado no topo de uma das gigantescas torres da cidade, com acesso através de veículo espacial, com decoração despojada, mas inspirada em alguma monumentalidade do passado.

O lietmotiv mais importante do filme é o romance de dois seres fabricados que não poderiam ter sentimentos humanos. Rachel tem mais de um encontro no apartamento de Deckard, cujos elementos decorativos são inspirados na Samuel Freeman House, projetada por Frank Lloyd Wright e construída na Califórnia, em 1923.

O policial Deckard cumpre sua missão “eliminando” quatro “replicantes”, com destaque para as cenas de perseguição do “guerrilheiro terrorista” interpretado por Rutger Hauer, e da “vadia punk” interpretada por Daryl Hannah. Estas ações acontecem em edifício decadente e abandonado na área central de Los Angeles. Nas mesmas ruas em que orientais fazem comércio e servem comida em barracas, como se fossem antigas feiras medievais.

As últimas cenas sugerem que Deckard e Rachel também seriam eliminados. O DVD contém outra versão final, fruto da discussão entre produtor e diretor do filme. A versão do diretor deixa menos dúvidas na origem andróide do policial Deckard, que se manifesta pela presença do unicórnio que aparece em seus sonhos, inédita também na versão inicial.

As cenas do filme contrastam ambientes futuristas das altas torres com acesso de veículos aéreos, com ruas sujas e decadentes, típicas de centros de metrópoles, como as que aparecem em Hotel de um Milhão de Dólares, de Wim Wenders.

A fotografia e os efeitos de luz de Blade Runner, um filme predominantemente noir, tem grande destaque, assim como as cenas intimistas no apartamento do personagem interpretado por Harrison Ford.

A cidade pós-futurista

Blade Runner expressa a falência do urbanismo do Movimento Moderno e representa também a postura pós-moderna crítica do esgotamento da cidade utópica do futuro.

A qualificação “pós-futurista” empresta o nome da vanguarda italiana dos anos 1910, e seus anseios de expressão de movimento da era da máquina. A realidade do final do século XX porém não correspondeu as utopias imaginadas no seu início.

As cenas inicias lembram as cidades de grandes proporções imaginadas por Antonio Sant’Elia. Contemporâneas também são as imagens do filme Metrópolis, de Fritz Lang, uma das manifestações do expressionismo alemão, que se tornaram símbolos das cidades do futuro.

Brasília, projetada por Lucio Costa (1956), exprime com a monumentalidade que a capital de uma nação deveria ter, os princípios da Carta de Atenas. Uma cidade construída inteiramente nova, deveria seguir o pensamento mais avançado de seu tempo, e foi o que aconteceu com Brasília. Desde sua construção porém, a cidade reflete as contradições entre os que ocupam os espaços das cidades satélites e os que moram nas ajardinadas super quadras do Plano Piloto.

Os anos pragmáticos dos anos 1970, ou The dream is over, de John Lennon, implodiram o modelo de urbanismo do Movimento Moderno, conforme registrou Charles Jencks.

O grupo Archigram talvez tenha sido o responsável pelas últimas propostas utópicas para cidades concebidas no século XX. Embalado pelo desenvolvimento tecnológico da Inglaterra nos anos 1960, que também possibilitou a arquitetura de Richard Rogers e Norman Foster este grupo desenhou inúmeras propostas para cidades, com diversos níveis de circulação, onde a ocupação aconteceria em altas torres distantes do espaço da superfície.

A Los Angeles pós-futurista do ano de 2019, de Blade Ranner, lembra um pouco as propostas do Archigram, tendo se transformado em gigantesca megalópole com torres dispondo de alta tecnologia, que contrasta com outra cidade ao nível do chão, e sua disputa pela sobrevivência.

Nestas ruas convivem pessoas comuns com o comércio de rua, utilizando transporte individual com veículos circulando na malha tradicional de ruas e avenidas.

As cidades contemporâneas parecem impossíveis de serem planejadas, mas apesar de caóticas, são ainda a melhor expressão da vida humana em todas suas camadas sociais. Conforme Jane Jacobs, em Vida e Morte da Grandes Cidades, quanto mais mesclada a atividade praticada nas ruas, em todas as horas do dia e da semana, mais seguro e interessante será o convívio humano nestes lugares.  

Cidades vigiadas como a organizadíssima cidade de Trumam Show, não fazem parte da realidade. Diante da incapacidade de organizar e viver em espaços urbanos com suas múltiplas expressões sociais, as pessoas se refugiam em condomínios fechados, verdadeiras cidadelas que guardam grandes semelhanças com cidades medievais.

A arquitetura praticada nos condomínios fechados das grandes cidades, é predominantemente tradicional e romântica, com pouco espaço para experiências contemporâneas. Existe um certo desejo nostálgico, inspirado nos subúrbios norte-americanos, de um modo de viver tranqüilo e distante do burburinho das cidades.

Outra resposta para o caos urbano é o contraste entre a pluralidade das arquiteturas na cidade e o novo interior design projetado para ambientes de trabalho e apartamentos, em edifícios já existentes.

Neste início de século XXI, “as cidades não são cenários de Flash Gordon”, conforme costuma afirmar Jaime Lerner, não vivemos o ambiente ascético do Admirável Mundo Novo, de Aldus Huxley, nem o aparato tecnológico de 2001, uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrik, nem tampouco a arquitetura proposta pelos Jetsons, desenho animado realizado pela mesma equipe dos Flintstones.

Pós-futurista, Blade Runner é um retrato da cidade contemporânea, que exprime os extremos de uma sociedade de alta-tecnologia convivendo com velhas estruturas urbanas que lutam por sua sobrevivência, mas que ainda permitem o uso de espaços de convívio humano.

A estética pop-art

Do ponto de vista estético Blade Runner transporta para a cidade, e em grande escala, a pop art de Andy Warhol, desenvolvida pelos norte-americanos na década de 1960.

Na cidade moderna a arte compunha com o edifício da mesma forma que no mundo clássico, como nas praças de Roma, ou nas avenidas de Paris, dentro de uma visão serena de ordem e monumentalidade. As esculturas de Bruno Giorgi repousam sobre o lago artificial do Palácio Itamaraty em Brasília, projetado por Oscar Niemeyer, enquanto que em Chicago, uma escultura de Picasso esta disposta em um grande espaço público, diante de um edifício de vidro, projetada segundo os princípios da arquitetura moderna.

O atual desenvolvimento industrial, permite menos oportunidades para que os artistas desenvolvam suas obras em espaços urbanos. Os artistas trabalham como designers, de modo que suas criações sejam executadas pela industria e inseridas nos edifícios.

Nas strips de Robert Venturi, os outdoors dos grandes shoping-centers estão em constante mutação, e de certa forma, as cidades contemporâneas já assimilaram esta forma de expressão.

A estética pop art de Blade Runner, antecipa o projeto não executado, de Rem Koolhaas, para o ZKM Center for Art Media Technology (1989), em Karlsrule, na Alemanha. Este projeto reflete a idéia de que um edifício novo na cidade deve ser despojado e neutro em seu volume externo, mas executado com requinte de detalhamento tecnológico, podendo abrigar internamente uma pluralidade de funções distribuídas em diversos pisos com múltiplos pés-direitos e planos inclinados.

Koolhaas, em seu ensaio Delirious New Yok (1978), defende a idéia de que a vida nos edifícios das grandes cidades devem assumir sua multiplicidade de funções, dentro da percepção da impossibilidade de organização e planejamento, característicos das gerações de arquitetos modernos.

As obras dos escritório suíço Herzog & de Meuron, executadas com grande rigor técnico e projetual, contém espaços de expressão para uma arte desenvolvida industrialmente, como se observa nas imagens impressas nos vidros das esquadrias da Sede da Fábrica Ricola Europa (1992), ou nas placas de concreto da Biblioteca da Escola Eberwalde (1993).

Como já observava Argan, em “A Crise da Arte como “Ciência Européia”, o processo de integração entre arte e industria desenvolvido pela Bauhaus não se esgotou, está apenas iniciando.

notas1
Texto apresentado no Ciclo Cinemacidade – PUCPR, maio 2004.

referências bibliográficasARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna – do Iluminismo aos movimentos contemporâneos, São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
FACÓ, João. Nas Asas de Brasília, 2003.
FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
Frank Lloyd Wright, Architect. The Museum of Modern Art MoMA, Nova Iorque, 1994.
Herzog & de Meuron 1981-2000. Madri: El Croquis books, 2001.
JACOBS, Jacobs. Vida e Morte da Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
JENCKS, Charles. The language of post-modern architecture. Londres: Academy Editions, 1977.
KOOLHAAS, Rem. Delirious New Yok, Nova Iorque: The Monacelli Press, 1994.
LERNER, Jaime. Acumpuntura urbana. Rio de Janeiro: Record, 2004.
O.M.A.; KOOLHAAS, Rem; MAU, Bruce. S, M, L, XL. Nova Iorque: The Monacelli Press, 1995.
SALIGA, Pauline (editora). The sky´s the limit: a century of Chicago skyscrapes. Nova Iorque: Rizzoli, 1990.

SCOTT, Ridley (diretor). Blade Runner. Warner Bros Vídeo, 1982. DVD, 1997.

sobre o autor

Luís Salvador Gnoato, arquiteto (UFPR, 1977), doutor em arquitetura (USP, 2002), diretor adjunto de pós-graduação em arquitetura e urbanismo, PUCPR.

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