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A partir da temática, diálogos, trama e fotografia presentes no filme de Wim Wenders, o autor tece comentários sobre aspectos relevantes da grande cidade contemporânea


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ULTRAMARI, Clovis. Hotel de um milhão de dólares. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 053.03, Vitruvius, out. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.053/535>.

O filme O hotel de um milhão de dólares (The million dollar hotel, no original, em inglês), permite-nos discutir aspectos da gestão e da dinâmica das cidades. O objetivo aqui não é, pois, o de desenvolver uma crítica cinematográfica; mas sim, a partir da temática, dos diálogos, da trama e da fotografia deste filme, indicar alguns dos aspectos relevantes da grande cidade contemporânea.

A trama do filme inicia com um pano de fundo urbano verticalizado, o qual logo se revela ser Los Angeles: uma concentração urbana que conta com mais de nove milhões de habitantes (população metropolitana superior a quinze milhões), renda média per carpita de $20,683, e 17.9% de sua população abaixo da linha de pobreza, contra 14,2 % do Estado da Califórnia (2). Na seqüência, vê-se um personagem sobre o telhado de um hotel, o hotel chamado “de um milhão de dólares”, que se prepara para saltar no vazio da cidade. Num corte abrupto, seguido de cena feita com a câmara ao nível da calçada, logo termina a primeira das três partes do filme.

Nessa primeira parte, vê-se a cidade de cima, tal como fora possível em outros filmes do mesmo diretor: Lisboa, em Sob o Céu de Lisboa (uma velha cidade, nas vésperas de mudanças devido à unificação européia) ou Berlin, em Asas do Desejo (com anjos sobre seus telhados). Outras referências possíveis nessa primeira parte é o filme Sunset Boulevard, o qual também começa com o término de uma vida e depois desenrola-se num flashback, e Vertigo, onde a trama, mais uma vez, gira em torno de um corpo que cai do alto (no caso, de uma torre de igreja).

Na segunda parte do filme The million dollar hotel, ou seja, o filme propriamente dito, e que toma a grande parte da fita, tem-se a apresentação da história por meio de um flashback. Aí, tem-se então, a história do personagem Tom Tom, o rapaz que, ao final do filme, também se lançaria no vazio da cidade a partir do topo de um hotel. Essa história é compartilhada por um grupo, do qual Tom Tom faz parte, que são moradores do hotel e, de fato, pacientes externos de um hospital psiquiátrico. A ação de um detetive chamado para desvendar a morte do personagem Izzy, amigo de Tom Tom, é dificultada quando este se depara com o alto grau de alienação social dos possíveis criminosos.

Os personagens revelam, um a um, grupos diferenciados de tribos urbanas, porém sempre decadentes e vivendo da memória de um passado: o cantor que se imagina John Lennon, Eloise, sempre com um livro em mãos, querendo viver uma cena de ficção, Tom Tom que se apresenta de forma mais imbecil do que verdadeiramente o é, Izzy (o primeiro a morrer, no início do filme) que deixa um acervo artístico talvez trash, talvez sem nenhum valor, talvez valioso.

Na terceira e última parte, tão curta quanto a primeira, tem-se na tela o topo do hotel novamente, a cidade abaixo e Tom Tom revelando-se a pessoa que empurra, ou deixa cair, Izzy, e que, na seqüência, corre para a morte ao se jogar, ele também, para baixo. Essas últimas cenas ocorrem no momento em que a imprensa lota o prédio para “resgatar” e celebrar a obra do artista morto.

Vale lembrar ainda que, o mesmo prédio já fora utilizado para hospedar Bono quando de sua gravação de Where the streets have no name. Mais tarde, essa lembrança o inspiraria para a produção de um filme. Assim, The million dollar hotel surge de um projeto do cantor/compositor da Banda U2 ao diretor alemão Win Wenders.

Em termos de crítica cinematográfica, mais de uma vez, ouviu-se dizer que esse filme é muito bom, na primeira parte; sem valor na segunda; e excelente na terceira.

Em termos de comparações possíveis com a cidade, é o que se tenta descrever abaixo.

A cidade anda

O fenômeno urbano da dinâmica da ocupação e da apropriação por agentes diversos, onde, a um tempo, espaços são descartados, outros são reciclados e outros são construídos, é a melhor simbologia encontrada no filme The Million Dollar Hotel. Fica evidente no filme que tem-se aqui um compartimento urbano degradado que vive do passado; da mesma maneira que seus personagens e que sua população empobrecida. Sobraram os edifícios e a infra-estrutura urbana, porém foi embora a classe social e seus representantes originais. Essa é uma cena que se repete nas cidades de países ricos e pobres, com maior gravidade nesses últimos, porém como maior rapidez nos Estados Unidos. Assim, as áreas que muitas vezes deram início à ocupação futura das metrópole se vêem velhas e desvalorizadas, fazendo com que moradores com recursos financeiros fujam para novos setores urbanos e que empobrecidos e envelhecidos se obriguem a ficar. As razões para tal processo são inúmeras, porém, vale ressaltar o envelhecimento das estruturas urbanas e imobiliárias existentes nas áreas centrais (os prédios envelhecem e já não satisfazem às novas necessidades de empresas que aí poderiam se instalar); a dificuldade crescente de acesso por meio do transporte individual (a despeito da boa disponibilidade de transporte de massa aí disponibilizado); a mudança de uso do solo de residencial ou misto para genericamente comercial e de serviços (criando, muitas vezes, uma convivência difícil para com as residências que resistem a mudanças); o empobrecimento do comércio local com vistas a atender a uma população usuária de transporte público; a alta densidade de transeuntes na área, o que incrementa os índices de criminalidade; e, causa e conseqüência, ações imobiliárias que disponibilizam novas áreas urbanas no mercado de forma a atender novas demandas da população urbana, dentre outros.

Este é o processo urbano mais evidenciado no filme e reconhecido pelo próprio diretor ao relembrar a história do edifício:

“Rodó usted en un hotel cutre del centro de Los Ángeles, donde, por 300 dólares al mes, putas, drogadictos y otros marginados pueden alquilar una habitación impresentable. ¿Qué era lo que le atraía de esa especie de última parada?

El que antes hubiera sido justo lo contrario, la última parada de la elegancia. Cuando se inauguró el hotel, en 1917, era el edificio más alto, más hermoso y más caro de la ciudad, donde celebraba sus fiestas la créme de la créme, y en la suite presidencial durmieron tres presidentes de Estados Unidos. En los años veinte, vivía en sus alrededores toda la industria del espectáculo. Chaplin tenía su despacho justo enfrente, en el hotel Alexandria, hasta que se trasladaron todos a Hollywood. El hotel de un millón de dólares es por tanto como sus inquilinos: antiguamente lleno de sueños, hoy perdido sin remedio.

Suponemos que usted no suele alojarse en hoteles de ese tipo. ¿Cómo lo descubrió?

Mi amigo Bono se fijó en el hotel cuando rodaban en el centro de Los Ángeles con su banda U2 el vídeo para la canción Where the streets have no name” (3).

Evidentemente, o chamado esparaiamento das metrópoles não é resultado único do esvaziamento do centro, porém, o que chama a atenção aqui, é o descarte de áreas equipadas e infra-estruturadas. De qualquer maneira, sempre, o resultado social e ambiental é perverso.

Nos Estados Unidos, tem-se o sprawl, a opção norte-americana por subúrbios conectados por auto-pistas e pelo uso do transporte individual; no Brasil, tem-se a periferização que consome tempo em trânsito, pressão sobre áreas de preservação, cansaço do trabalhador, e dispêndio do poder público para atender a novas demandas urbanas básicas em áreas cada vez mais distantes. Em ambos os casos, deixam-se para trás espaços urbanizados com alto nível de ociosidade de suas infra-estruturas e capitais arquitetônicos sem uso.

“Ela [a burguesia] chama, por exemplo, de "centro" da cidade, a parte do centro que é de seu interesse ou o seu centro. O "novo centro" da cidade de São Paulo é a região Paulista/Faria Lima, diz a ideologia burguesa. No entanto, para as classes dominadas, o centro continua (agora mais que nunca) sendo o "centro velho" pois lá é que estão hoje suas lojas, seus cinemas e seus profissionais liberais. A burguesia abandonou os centros de nossas cidades alegando que ele estava se "deteriorando’, quando na verdade essa "deterioração" é efeito e não causa do abandono. A burguesia diz que os centros de nossas cidades estão "decadentes" quando na verdade, para as classes dominadas, eles estão em ascensão, não em decadência” (4).

Para se ter uma idéia dessa ocupação ao longe, dessa periferiezação, exemplifica-se com Curitiba e São Paulo.

Em Curitiba, tem-se, para 2002, um acréscimo silencioso de 6,39 Km2, em um território de 432 km2, com um acumulado loteado de 318, 70 Km2.

Período Loteamentos e condomínios / Km2
1998 3,00 Km²
1999 4,92 Km²
2000 1,72 Km²
2001 2,87 Km²
2002 6,39 Km²
2003 (parcial) 1,10 Km²
Fonte: Prefeitura Municipal de Curitiba, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, Base de Dados/Geoprocessamento, 1998-2003

Em São Paulo, com uma área total do município de 1.5 milhão km2, esse mesmo acréscimo silencioso de ocupação (somando-se condomínios e loteamentos, porém descontando o processo de adensamento por verticalização e a ocupação ilegal ou clandestina) representa percentuais expressivos de seu território ao ano.

Período Loteamentos / Km² Condomínios / Km²
2000 2,53 0,049
2003 2,89 0,035
Obs.: por loteamento entende-se o parcelamento com doação de áreas públicas para o município e que, majoritariamente, é voltado para atender às classes mais carentes. Por condomínio entende-se o parcelamento onde essa doação não existe, constituindo verdadeiras células segregadas e segregadoras na malha urbana, sendo voltado para as classes médias e altas.
Fonte: Prefeitura Municipal de São Paulo, Setor de Aprovação de loteamentos, 2000-2003

Esses valores dizem respeito às parcelas formais da cidade, aquelas que, para se constituírem, submetem-se às exigências legais e restrições impostas pelos órgãos de licenciamento urbanístico e ambiental. Vale lembrar que, no caso de Curitiba, as invasões urbanas chegam a representar 15% de sua população (5). No caso de São Paulo, essa informalidade e/ou ilegalidade pode atingir até 50% da população (6).

Em oposição aos dados acima, constituindo, portanto, um binômio formado pelo abandono do “velho bom” (áreas centrais estruturadas) e pela construção do “novo ruim” (periferias mal servidas), tem-se “50 mil medidores de luz e 40 mil medidores de gás desligados no centro da cidade [São Paulo], enquanto pessoas estão morando cada vez mais longe” (7) e “segundo o IBGE, cerca de 420 mil imóveis vagos, fechados na cidade, número muito maior do que o déficit habitacional de São Paulo, que é de 380 mil. Ou seja, tem alguma coisa muito errada aí. Isso é um escândalo” (8).

Comprovando, mais uma vez, essa irracionalidade urbana de avanço da periferia e abandono das áreas centrais, vale observar a tabela abaixo para o caso da cidade de São Paulo.

Centro   Periferia  
Área Central (limites da antiga AR-Sé) População diminui 19% (cerca de 100.000 hab.) entre 1991 e 2000 Distrito de Anhanguera (Zona Norte) População diminui 21% (cerca de 26.000 hab.) entre 1991 e 2000
Distrito de Pari População diminui 30% (cerca de 6.500 hab.) entre 1991 e 2000 Distrito da Cidade Tiradentes (Zona Leste) População diminui 98% (cerca de 94.500 hab.) entre 1991 e 2000
Obs.: Sé inclui Santa Cecília, Bom Retiro, Consolação, Bela Vista, Liberdade, Cambuci, Pari, Brás e República
Fonte: IBGE, SEADE, SEMPLA, in Cartilha do Plano Diretor do Município de São Paulo, 2004

A pobreza vira espetáculo, a cidade se consome

Ao final do filme, no momento em que o personagem se joga do alto do edifício, o pai valoriza a obra artística do filho por meio da simples espetacularização, sem necessariamente valorizar ou mesmo compreender seu conteúdo e significado. É o que acontece com o urbanismo ao espetacularizar as áreas pobres: revitalizam-se as áreas centrais para um público estrangeiro, o turista, porém, mudam-se os moradores tradicionais. Valoriza-se o cenário urbano, mas alteram-se os personagens e os usuários. No filme, ao se valorizar a obra do personagem Izzy (o pintor trash), ele já estava morto; no urbanismo, ao término da recuperação da área degradada, seus moradores tradicionais já não estão mais lá. Valoriza-se, pois, o físico, a coisa construída, o invólucro, relegando o conteúdo. Desnecessário falar aqui dos projetos estratégicos que ao construir museus, como o Guggenheim de Bilbao, valorizou, explicitamente, o invólucro, relegando para segundo plano o acervo. O que importa agora é o número de turistas anuais que o projeto pode atrair (no exemplo basco, estimam-se 500.000 turistas ao ano). O que importa aqui é que, agora, os que usufruem os ganhos da revitalização são aqueles que podem pagar por ela e não mais aqueles que não puderam revidar a decadência.

Assim, faz-se um cenário para uma nova população, enquanto novas áreas são agregadas à cidade para receber a população original. Da mesma maneira, no filme, a festa do lançamento da obra artística de Izzy não teria acontecido sem a sua morte.

Apesar de esforços serem feitos em projetos mais recentes, sem evidentemente repetir situações críticas como foi a própria modernização de Paris, com a abertura de suas avenidas, o planejamento e a gestão urbanas ainda padecem de sua mais grave externalidade que é a de, ao planejar e recuperar áreas, valoriza-as e encarece-as. Do mesmo modo, segundo a agora necessária parceria público privado para atrair recursos para projetos desse gênero, a busca do lucro encontra melhores resultados ao ofertar produtos para uma população pagante e mesmo para atividades mais rentáveis como o a do turismo, atualmente tão cortejada pelos planejadores. No caso recente da recuperação da downtown de LA, não foram poucas as críticas contrárias à expulsão dos moradores tradicionais:

“The Central City Association, an organization representing 300 downtown Los Angeles businesses and wealthy investors, is pushing for legislation to banish the homeless from skid row. The legislation would establish, among other things, an anti-encampment ordinance, a permanent LAPD (Los Angeles Police Department) outpost in the area with a fast-track downtown police court and a police street-crime patrol to catch drug dealers and other criminal suspects. Included is proposed legislation to enforce existing laws against public urination and audits of the Los Angeles Homeless Agency and individual service providers” (9).

A bela e a fera

O patrimônio histórico e arquitetônico que ainda resiste nas áreas decadentes centrais é de difícil observação. A cidade tal qual existiu aparece apenas na memória daqueles que vivenciaram seu momento passado; ela está por trás de um tapume, de uma nova propaganda de algum serviço barato, ou transformada para atender a uma nova função urbana. Sobram alguns prédios de interesse histórico-arquitetônico, mas esses jamais conseguem exprimir sua experiência urbana, quando restaurados individualmente. Na realidade de Los Angeles contemporânea ao filme, observam-se esses resquícios enquadrados num cenário vizinho de modernidade arquitetônica e de valorização financeira. O skyline da cidade, sem dúvida, confirma as idéias de que "Los Angeles, isto deve ser entendido, não é uma mera cidade. Ao contrário, ela é, e sempre foi, desde 1888, uma mercadoria, algo para ser consumido e vendido para o povo dos Estados Unidos, como automóveis, cigarros e desinfetante bucal." (10). Ao o filme mostrar o degradado velho e o construído novo intercalando-se como um mosaico urbano de fragmentos arquitetônicos, urbanísticos, sociais e econômicos, impossível não lembrar da análise de Edward Soja quando afirma que

"Pode-se encontrar em Los Angeles não somente os complexos industriais de alta tecnologia do Silicon Valley e a economia errática do cinturão do sol de Houston, mas também o declínio industrial avançado e os bairros urbanos falidos do cinturão da sucata de Detroit e de Cleveland. Há uma Boston em Los Angeles, uma Lower Manhattan e uma South Bronx, uma São Paulo e uma Singapura. Pode não existir nenhuma outra região urbana comparável que apresente tão vividamente uma reunião e articulação compostas de processos de reestruturação urbana. Los Angeles parece estar conjugando a história recente da urbanização capitalista em virtualmente todas as suas formas flexionais" (11).

Na realidade, o que se tem em LA pode ser ainda melhor descrito quando Soja e Scott estruturam a leitura dessa cidade por meio de suas seis geografias, todas representadas no filme aqui discutido.

1. Flexcity, ou metrópole industrial pós-fordista, resultado da materialização na cidade das novas estruturas de produção.

2. Cosmópolis, formação da cidade global, a qual precisa de uma imagem internacional e portanto localiza-se na área central valorizada com novos edifícios

3. Exópolis, crescimento demográfico superior das áreas periféricas a LA e concentração da população nacional em grandes ares metropolitanas.

4. A cidade fractal, a cidade fragmentada socialmente e com grandes disparidades de renda

5. Cidade carcerária, ou a cidade do medo, a que se fortifica e se protege de si própria

6. Cidade simulada, a SimCity, com seus espaços hiper reais tais como os parques temáticos em profusão na cidade.

Na seqüência de fotos, a decadência urbana na área central de LA: a decadência do compartimento urbano caracterizado por teatros desde a primeira década do século passado e onde se encontra o edifício cenário do filme aqui discutido.

Em todos esses casos, aguarda-se então uma grande ação revitalizadora, capaz de valorizar as antigas áreas. Em Los Angeles, pois, o cenário do filme, a cidade que na realidade nunca contou com uma verdadeira downtown, esforça-se agora para recuperar, a um custo elevado, seu passado ostensivamente abandonado: ações necessárias que, para cidades como as brasileiras, as limitações financeiras seriam quase intransponíveis. Além disso, poucos são os casos em que os esforços de recuperação urbana se consolidam com sucesso generalizado

A despeito desses custos, desde a década de 1970, observa-se no cenário urbano internacional e de certa forma brasileiro também o fim das utopias de se resolver todos os problemas de toda a cidade, focalizando a ação, por meio de projetos estratégicos, em alguns setores, fortalecendo, por exemplo, o patrimônio arquitetônico, a paisagem e a história da cidade, incluindo invariavelmente, as áreas centrais.

Porém, a despeito da recente construção milionária de centros culturais, tais como o Music Center (parte integrante do Walt Disney Concert Hall) e o Museum of Contemporary Art / MOCA, restauração da Los Angeles Public Library e alguns restaurantes da moda, o centro de LA ainda não se constituiu em um verdadeiro hub da cidade. Ao contrário, convivem lado a lado decadência, boom imobiliário e recuperação urbana.

No caso brasileiro, São Paulo (12), a cidade que melhor exemplificaria a dificuldade de recuperação dessas áreas: meio a dispendiosas iniciativas pontuais de reciclagem/recuperação arquitetônica e urbanística, a persistência de compartimento urbano caracterizado pela monofuncionalidade e baixo uso residencial.

A proximidade do novo e do velho novo

No jogo por novos mercados imobiliários, impressiona a proximidade das áreas antigas centrais e as novas áreas de interesse do mercado. Para as áreas centrais de Los Angeles, a história da formação da cidade já prenunciava um cenário de desregulamentação e de liberdade do interesse privado e individual. The City of the Angels, era conhecida, de fato, como a The City of the Devils, por localizar-se no extremo-oeste distante do país norte-americano ainda em formação, revelando-se como a região de crime, corrupção, rebelião e contrabando. Nas novas áreas centrais dessa cidade, tem-se a imagem da inovação tecnológica, do capital, do constantemente novo. Como diz Mike Davis, em sua obra A cidade de Quartzo, “Los Angeles é tudo isso”.

No caso de São Paulo, adotando-se a escala metropolitana, pode-se dizer que há uma proximidade da avenida Paulista / Jardins com a antiga ocupação no quadrilátero central. Em Los Angeles, o filme nos evidencia essa mesma vizinhança: de sobre o prédio do hotel que uma vez possa ter valido um milhão de dólares, vê-se os novos prédios com valores definitivamente superiores.

 Conclusão

Tarefa difícil a de contabilizar os custos sociais, ambientais e urbanísticos dos processo de abandono de áreas centrais metropolitanas para, ao mesmo tempo, avançar-se com a ocupação para além de suas fronteiras.

Fica evidente a dificuldade crescente do estado em reverter esse processo frente a interesses fortalecidos do setor privado. Essa razão, se inelutável, já é reconhecida. Chama a tenção no entanto, o baixo nível de reconhecimento do problema por parte da população (o segmento verdadeiramente penalizado) e da sua inclusão tímida no debate urbano contemporâneo.

Filmes como The million dollar hotel, apesar de uma mensagem urbanística codificada, talvez possa reverter, ainda que microscopicamente, a perversidade do transposto para a tela. Servindo-se aqui da discussão sobre a arquitetura (e por extensão sobre urbanismo) e cinema feita por Fabio Allon dos Santos, tem-se:

“Se a arquitetura não tem conseguido fazer parte da vida das pessoas enquanto reflexão e debate, o cinema certamente tem servido de trampolim para sua visibilidade. Seja em filmes históricos, documentários ou até futuristas, a arquitetura salta aos olhos do espectador como elemento ativo, sensibilizando-o e até criando padrões de conforto estético ou desgosto visual, educando-o arquitetonicamente de forma fictícia, já que na concretude de seus dia-a-dias não consegue se destacar” (13).

notas

1
Texto apresentado no Ciclo Cinemacidade – PUCPR, maio 2004.

2
U.S. Census Bureau, 2001.

3
Entrevista com Win Wenders. Jornal Chile Hoy. Acesso em março de 2004.

4
VILLAÇA, Flávio. O que todo cidadão precisa saber sobre habitação. São Paulo: Editora Global, 1986.

5
PEREIRA, Gislene. “Produção da cidade e degradação do ambiente: a realidade da urbanização desigual”. Tese de doutoramento. Curitiba: UFPR, 2002.

6
MARICATO, Ermínia. Metrópole na periferia do capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violência. São Paulo: Hucitec, 1996.

7
Frase do arquiteto Júlio Neves, jornal Folha de São Paulo. “Morar em São Paulo”, 6 dez. 2003, p. C8.

8
Frase da arquiteta Ermínia Maricato, jornal Folha de São Paulo. “Morar em São Paulo”, 6 dez. 2003, p. C8.

9
World Socialist Website <www.wsws.org>. Acesso em março de 2004.

10
DAVIS, Mike. Cidade de quartzo: escavando o futuro em Los Angeles. São Paulo, Página Aberta, 1993.

11
SOJA, Edward; SCOTT Allen. The City. Los Angeles and Urban Theory at the End of the Twentieth Century. Berkeley, University of California Press, 1996.

12
As ações urbanas na área central de São Paulo começam na década de 90 com parcerias entre governo do Estado e iniciativa privada. São exemplos: a Sala São Paulo, na Estação Júlio Prestes, a qual equipa a cidade com uma sofisticada sala de espetáculos; a Pinacoteca do Estado, outro atrativo cultural de porte, com fachada e interiores restaurados por meio de convênio com o Ministério da Cultura; reurbanização do Parque da Luz, parceria entre município e Estado em ação em área vizinha à Pinacoteca (nova iluminação, 80 esculturas e policiamento); em 2001, o Banco do Brasil abriu a sucursal paulista de seu Centro Cultural Banco do Brasil (como já ocorrera no centro antigo do Rio de Janeiro), no prédio construído em 1901, próximo ao Páteo do Colégio e a um conjunto de prédios que começa a ser a recuperado por outro banco, a Caixa Econômica Federal; recursos do BID permitiram à prefeitura da cidade melhorias na iluminação da Praça da Sé e do Teatro Municipal; e, com perspectivas de início, a reforma do Mercado Municipal e a transferência do gabinete do executivo municipal para o prédio Matarazzo, conhecido com Banespinha, no viaduto do Chá.

13
SANTOS, Fabio Allon dos. “A arquitetura como agente fílmico”, Arquitextos, Texto Especial n. 223. São Paulo, Portal Vitruvius, fev. 2004 <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp223.asp>.

sobre o autor

Clovis Ultramari é arquiteto, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, disciplinas de urbanismo, convidado a compor o grupo de professores para debater na Primeira Mostra CinemaCidade. A palestra referente a este artigo deu-se em 20 de maio de 2004, no auditório Alfred newman, Campus Prado Velho da PUCPR.

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