Oeste do Paraná, frentes colonizadoras e cidades novas
Conhecer uma cidade e o seu processo evolutivo não é simples, sobretudo por sua vastidão e pelas diferentes marcas depositadas pelas gerações antecedentes. Indiscutivelmente, a cidade em sua totalidade – inserção no sítio, características geográficas do território, forma e tecido urbano – é um produto dos grupos sociais que a ocupam, vivenciam e transformam (1).
Com base nisto e em uma perspectiva centrada na morfologia urbana, o presente artigo traça considerações e análises referentes a apreensão da expansão urbana de cidades novas ao longo do século 20 e 21 na fronteira do Oeste do Paraná, a fim de compreender como se deu o processo de implantação e crescimento destas cidades. Atualmente estas cidades novas configuram-se como cidades de pequeno e médio portes, o que representa em um cenário nacional, mais da metade dos 5 570 municípios brasileiros, ressaltando a sua relevância na história urbana brasileira (2).
O Oeste paranaense sempre foi uma região alvo de disputas entre os povos ibéricos (3), sendo que a fronteira entre as possessões espanholas e portuguesas (4) na região do atual território paranaense só foi de fato concretizada a partir do tratado de Santo Ildefonso em meados do século 18 (5). Mais tarde, no século 19, o governo brasileiro iniciou um processo efetivo de ocupação do Oeste do Paraná, cuja estratégia adotada promovia a pequena vila de Foz do Iguaçu uma Colônia Militar (6).
A implantação desta Colônia Militar constatou, no entanto, a existência de inúmeras vanguardas estrangeiras de extração ilegal de erva mate e madeira na região Oeste. Mantidas por empresas de capital estrangeiro, estas frentes extrativas paraguaias e argentinas eram conhecidas como obrages e acompanharam as margens do rio Paraná, ultrapassando as fronteiras internacionais definidas séculos antes por tratados, penetraram na faixa Oeste do território brasileiro (7).
O recorte geográfico que compreende o objeto de estudo deste trabalho, a cidade de Marechal Cândido Rondon, no início do século 20 pertencia a obrage Compañia de Maderas del Alto Parana, cuja propriedade era conhecida como Fazenda Britânia (8). A saber, a utilização do gentílico Britânia já indicava uma posse inglesa em terras paranaenses, visto que a Compañia de Maderas del Alto Parana, representada por Hilary Howard Lang e com sede em Buenos Aires era na verdade uma das ramificações de outra importante firma inglesa: a The Alto Paraná Development Company Ltd.
O funcionamento destas frentes extrativas perdurou até 1937, quando o Estado Novo de Vargas promoveu políticas de efetiva ocupação da fronteira sob um contexto nacional. Tais políticas ficaram conhecidas como Marcha para o Oeste (9). Outros acontecimentos internacionais também favoreceram o declínio das obrages, como o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), uma vez que as nações europeias vitoriosas passaram por turbulências econômicas devido aos pesados investimentos no conflito bélico. Assim, no início da década de 1940 a região Oeste do Paraná possuía o seguinte cenário: terras com potencial econômico, cujos atrativos, a madeira e erva mate, despertaram o interesse de um grupo de acionistas gaúchos. Neste sentido, no ano de 1946, estes acionistas compram de um grupo estrangeiro uma porção de terras – a obrage Compañia de Maderas del Alto Paraná – conhecida como Fazenda Britânia, e sob o nome de Industrial Madeireira e Colonizadora Rio Paraná S/A – Maripá, iniciam o processo de colonização, ocupação e venda de terras no Oeste paranaense.
Sob os princípios da Maripá, a paisagem do Oeste do Paraná foi redesenhada. A atuação da Companhia na colonização na região foi de extrema relevância, não só pela extensão de sua área, mas também devido ao seu projeto agrário, cujo programa de minifúndios, denominados lotes longos a priori, tinha como intuito atrair um maior número de colonos, em sua maioria imigrantes rio-grandenses de origem germânica e italiana. É neste contexto que ocorre a implantação da Vila de General Rondon, posteriormente Cidade de Marechal Cândido Rondon, que juntamente com os demais núcleos do Oeste do Paraná, superaram as taxas de crescimento estaduais e nacionais nas décadas seguintes – 1980 e 1990 –, e em vista disso, é objeto de estudo deste trabalho o acelerado processo de crescimento urbano desta Cidade Nova, originalmente projetada para ser a sede da Companhia Colonizadora.
Surgem assim duas questões entrelaçadas: quais as condições iniciais de implantação no núcleo de General Rondon pelo Companhia Colonizadora e quais os elementos reguladores influenciaram o processo de extensão do tecido urbano desta Cidade Nova entre as décadas de 1980 e 2000?
A fim de caracterizar apropriadamente os padrões de crescimento urbano de Marechal Cândido Rondon sob a ótica da Morfologia Urbana entre as décadas de sua maior expansão 1980, 1990 e 2000, buscou-se compreender quais foram os padrões de implantação da cidade e posteriormente verificar como estas configurações foram modificadas nas décadas de maior crescimento urbano. Dos 15 núcleos urbanos implantados pela colonizadora, Marechal Cândido Rondon teve os maiores índices de crescimento segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil entre as décadas supracitadas (10).
Este trabalho recorre aos princípios cognitivos e explicativos da Morfologia Urbana (11), utilizando-se do conceito de crescimento urbano de Panerai, Depaule e Demorgon apresentado originalmente no livro Analyse Urbaine (1999). Entende-se por crescimento de uma aglomeração o “l’ensemble des phénomènes d’extension et de densification des agglomérations saisis d’un point de vue morphologique, c’est-à-dire à partir de leur inscription matérielle dans le territoire” (12), ou seja, a partir da configuração física do território.
O redesenho da paisagem do Oeste paranaense: a Vila de General Rondon e a Maripá
O ciclo áureo da erva-mate e da madeira, e por extensão o sucesso do sistema obragero, adentraram a segunda década do século 20. Os portos se tornaram autossuficientes e os povoados alcançaram certa organização. No entanto, a partir de 1923, o cenário brasileiro passou por transformações que colaboraram para o declínio das atividades obrageras no Oeste do Paraná (13).
As razões que acarretaram no declínio do sistema obagero, em especial da Companhia de Maderas del Alto Paraná, possibilitaram o início de um novo ciclo na ocupação das terras do Oeste Paranaense. Nesta perspectiva, a área da Fazenda Britânia foi comprada, em 1946, por empresários gaúchos que usufruindo de incentivos governamentais, passaram a atuar sob o nome da recém fundada Madeireira Colonizadora Rio Paraná – Maripá. Trata-se da companhia responsável pela maior área de colonização na região, e cuja organização espacial foi inicialmente condicionada pelas picadas, pousos e povoados já existentes do período obragero (14).
Nesta perspectiva, a partir da década de 1940, afirma-se que “a onda de migração rio-grandense se dirige para o Paraná, que qualificam de ‘Nova Canaã’ por causa de suas terras do café” e devido aos incentivos econômicos do governo nacional para a ocupação e colonização da região. Tal fenômeno ficou conhecido como a “febre do Paraná” (15). As primeiras ações tomadas pela Maripá para a organização da área da Fazenda Britânia são descritas no Plano de Colonização (16) elaborado pelo Escritório Técnico da Companhia. Neste Plano, constam substancialmente, as primeiras diretrizes, um modelo de colonização, normativas e perspectivas futuras do planejamento de todos os núcleos urbanos dentro do recorte geográfico da Fazenda Britânia (17).
Nos primeiros anos de atuação da Companhia, entre 1946 e 1949, a colonizadora se dedicou as atividades extrativistas, na qual o papel dos colonos emigrantes foi primordial e por isso a necessidade de povoar o espaço colonial da Fazenda Britânia com agricultores e colonos, pois a obtenção de capital e rendimento requeria mão de obra (18). Outro elemento importante na prática da Companhia Maripá faz referência à pequena propriedade, e é, certamente, peculiar, pois enquanto as outras empresas colonizadoras optavam pelos grandes latifúndios, a Maripá se decidiu pela divisão da gleba da Fazenda Britânia em pequenos lotes rurais, denominadas colônias, com cerca de 10 alqueires cada. Assemelhando-se ao sistema de colonização rio-grandense e demais experiências no Oeste de Santa Catarina, os diretores da Maripá subdividiram a gleba em 50 perímetros. Sistematicamente, o fator delimitador destes perímetros foram os cursos d’água. Nesta disposição, os lotes rurais estavam posicionados com a parte mais alta do sítio conectada à estrada. Ou seja, a testada do lote sobrepunha-se à linha de cumeada, enquanto sua parte mais baixa era limitada por um córrego ou rio.
Respeitando a configuração espacial existente, os planejadores da Maripá consideraram a implantação dos 15 núcleos urbanos a partir das picadas abertas ainda durante a atuação das obrages. As picadas foram transformadas em estradas pela Colonizadora – Tronco do Meio, Tronco Norte e Tronco Sul, conectando a Fazenda de leste a oeste e possibilitando a formação de um eixo estruturador que conectava por inteiro todo o território pertencente à Maripá.
Localizadas nos interflúvios, as Novas Cidades situavam-se sobre as linhas de cumeadas em distâncias equivalentes, garantindo uma boa drenagem e abastecimento de água pelas nascentes próximas. A Vila de Toledo, descrita como a “Porta da Colonização”, foi demarcada como pouso (19) sede da companhia, tendo um posicionamento estratégico entre Curitiba e Cascavel e a rota da migração sulina e a presença abundante de água. Quando observadas as áreas urbanas dos núcleos de Toledo (1.170.140 m²) e da Vila de General Rondon (2.265.100m²), para tanto, constata-se que a área da segunda é praticamente o dobro da primeira o que confirma a intenção de tornar a Vila de General Rondon a sede da Companhia primariamente, cuja planta urbana possuía características próprias conforme visto a seguir.
O desenho urbano da Vila de General Rondon, uma Cidade Nova
A planta urbana da Vila de General Rondon desenvolvida pelo Escritório Técnico da Colonizadora Maripá em 1951 possuía como principal aspecto visível uma lógica geométrica regular com área total de 2625100m². Destinada à venda em regra, a retícula foi a forma mais expedita nos núcleos implantados pela Maripá. Prática e econômica, a grelha uniforme e regular era favorecida pelo relevo plano da Fazenda Britânia. Quanto ao sistema viário, este compunha-se de vias urbanas hierarquizadas com larguras distintas, que determinaram a orientação e disposição dos lotes, quadras e do tráfego. A Companhia Colonizadora tomou como base para a acomodação do traçado urbano a estrada regional do Tronco do Meio, na qual estabeleceu a avenida Rio Grande do Sul sob a linha de cumeada. A partir daí, traçaram-se o restante das vias respeitando a topografia natural do sítio, que é de fato, praticamente plana. Com efeito, as duas grandes avenidas, Rio Grande do Sul e Maripá, perpendiculares entre si, eram as principais vias e, portanto, hierarquicamente mais largas que as demais (cerca de 30m) (20).
Nota-se em posição destacada ao centro geométrico da forma urbana, que também é o centro da cidade, quadras que possuíam subdivisões em lotes de formatos análogos, sendo a área urbana da sede formada por 171 quadras com medidas regulares de 100x100 metros, 12 lotes invariavelmente de 800 m² ou 1000m² cada, apresentando-se de maneira homogênea em todo o tecido urbano. Os espaços livres, distribuídos uniformemente auxiliam na demarcação de uma centralidade urbana. Trevisan (21) discorre em seu estudo sobre as “cidades novas”, que em torno das praças das cidades novas colonizadas ocorria a implantação das igrejas, cuja importância como infraestrutura destes centros valorizava a região central que primava pela existência de passeios públicos e espaços livres.
Vale ressaltar que diferentemente de todos os demais núcleos urbanos implantados pela Maripá, a Vila de General Rondon foi a única que possuía em seu plano inicial três praças. Além da possível justificativa já apresentada referente ao núcleo de General Rondon como o “concorrente de Toledo”, outra razão plausível é a questão religiosa. As 29 vias contínuas eram interrompidas pelo início da zona de chácaras, um elemento de transição para o plano rural cujas chácaras com 2,5 hectares cada (22), eram destinadas a produção de hortifrutigranjeiros e posteriormente à expansão da cidade conforme projetado pela Companhia Colonizadora.
Da vila à cidade: a forma e a expansão de Marechal Cândido Rondon
Fundada na metade do século 20 juntamente com outras cidades novas no Paraná, Marechal Cândido Rondon emencipou-se em 1961, assistindo nas décadas seguintes uma grande expansão demográfica e territorial. Com relação à sua dinâmica populacional, compreende-se que o crescimento urbano, isto é, a extensão do tecido urbano sobre a área rural, quase sempre é acompanhado por um aumento demográfico significativo da população, fenômeno este que se repete em outras cidades novas, como a vizinha Toledo e Maringá, no Norte do Estado (23).
As décadas de 1980, 1990 e 2000 marcaram invariavelmente um período de grandes transformações no plano urbano de Marechal Cândido Rondon, não somente no que tange a sua expansão territorial, mas também na elaboração e aplicação das primeiras regras de organização do espaço urbano com a elaboração do Plano de Desenvolvimento, a fim de ordenar o crescimento físico de Marechal Cândido Rondon. Tal acontecimento é reflexo do próprio urbanismo brasileiro do período, no qual a Constituição de Federal de 1988 em seu artigo 30 oficializou e atribuiu aos municípios brasileiros a jurisdição para legislar sobre aspectos de interesse municipal, além de promover o ordenamento territorial urbano e rural mediante quatro elementos: planejamento, controle do uso, parcelamento e ocupação do solo (24).
Outro aspecto que alavancou a expansão do município durante o foi o alagamento de suas terras ribeirinhas ao rio Paraná pela formação do lago da Itaipu Binacional, o que ocasionou invariavelmente uma migração interna para outras áreas do Município. No total, foram 15 cidades alagadas no Oeste do Paraná.
De toda a sorte, a forma urbana da Cidade Nova de Marechal Cândido Rondon foi bastante influenciada pelos longos lotes ou chácaras da área rural circundante à cidade. Visto que a expansão da cidade de Marechal Cândido Rondon e, consequentemente a sua forma urbana, está intimamente relacionada à produção rural.
"Os agricultores têm a prática de 'investir' na cidade comprando propriedades (principalmente lotes), sendo considerada por elas a melhor maneira de investir, já que se tem na propriedade privada da terra uma garantia" (25). Considerando as décadas de 1980, 1990 e 2000, esse fenômeno está alinhado com o comportamento instável da economia brasileira após o fracasso dos milagrosos planos econômicos. A estabilidade econômica nacional só foi retomada em meados da década de 1990 com a implementação do Plano Real.
A Cidade Nova de Marechal Cândido Rondon teve um crescimento contínuo nas décadas de 1980, 1990 e 2000, dado que os 136 novos loteamentos executados durante estas duas décadas são em sua maioria vinculados aos loteamentos criados nas décadas anteriores, formando assim uma malha urbana contínua dentro do perímetro delimitado em 1980. Com relação à direção desta expansão, na década de 1980 seu crescimento foi direcionado a Sul e Nordeste. Já na década de 1990, o crescimento ocorreu em todas as regiões da cidade, e nos anos 2000 a expansão foi principalmente a Oeste.
Com relação a sua lógica geométrica, o principal aspecto visível ao final da década de 2000 é justamente a sua irregularidade. Entre 1980 e 2009, a área urbana de Marechal Cândido Rondon foi acrescida em mais de 84%, e tal crescimento implicou na conformação de uma forma urbana irregular e assimétrica. A transição para o plano rural, conforme previsto pela Maripá, as chácaras circundantes deram lugar a novos loteamentos, favorecendo assim a expansão urbana de Marechal cândido Rondon. Assim, considera-se que com o processo de expansão urbana percebe-se que o cinturão de chácaras originalmente proposto pela colonizadora foi sobreposto por novos loteamentos e consequentemente pelo tecido urbano. No que tange a relação com o parcelamento original, neste terceiro período de transformação morfológica, verifica-se que grande parte dos 136 novos loteamentos criados durante as três décadas ainda possuem formato análogo ao parcelamento das chácaras. Assim, em uma escala territorial, percebe-se que o parcelamento original em lotes longos permaneceu como um fator delimitador dos loteamentos criados até 2009.
As linhas de crescimento, a qual se configuram como forças pujantes do crescimento durante as décadas, variaram, porém quase que exclusivamente estiveram associadas a acontecimentos sociais, políticos e econômicos. Aqui, rememora-se a importância da avenida Rio Grande do Sul desde a implantação do núcleo de Marechal Cândido Rondon, que inicialmente era elemento chave para o deslocamento na estrada Tronco do Meio e posteriormente se tornou um eixo econômico e comercial para a cidade. Além disso, ressalta-se que as barreiras naturais do crescimento no caso de Marechal Cândido Rondon não foram questões topográficas, mas sim as redes hidrográficas existentes.
Todavia, apesar destas modificações, constata-se que o padrão do tecido urbano durante as décadas de 1980,1990 e 2000 permaneceu homogêneo, isto é, o layout de quadra 100x100m da década de 1950 ainda está majoritariamente presente no tecido urbano da cidade. No entanto, um layout de quadra retangular (70mx160m, 26 lotes de 12mx35m) cujas dimensões são variáveis de acordo com a área do loteamento, passam a ser utilizadas com maior frequência nos loteamentos devido a economia em infraestrutura e o consequente lucro final. Em Toledo, em loteamentos mais recentes, há um layout de quadra retangular semelhante, o que perpetua o caráter de especulação imobiliária da década de 1950.
Conclusões
A construção do espaço urbano é engendrada por modelos culturais e pelas práticas sociais, e as transformações provenientes de uma lógica evolutiva urbana é certamente uma espacialização das novas necessidades e dinâmicas do espaço intra-urbano. O percurso da Cidade Nova de Marechal Cândido Rondon, no Oeste Paranaense assemelha-se à outras cidades de mesmo caráter contextual, e por esta razão demonstram que o seu processo de crescimento é imbuído de uma herança proposta ainda no período de implantação por frentes colonizadoras. A análise do traçado destas cidades novas planejadas por estes profissionais no Oeste do Paraná confirma o alinhamento com uma política de cunho nacionalista da década de 1930, que visava a colonização e ocupação das terras. A geometria regular da forma urbana, de fácil multiplicação, garantia um caráter de especulação imobiliária e ao mesmo tempo, assentava-se adequadamente sobre o relevo do terreno.
Tanto o percurso quanto o processo de expansão urbana são articulados por variáveis e práticas socioeconômicas, políticas, culturais. A extensão da forma urbana ocorreu por meio da transformação do tecido rural em urbano. Ressalta-se que o fenômeno da sedimentação foi um elemento subjacente à expansão do tecido urbano, visto que a malha da cidade se estendeu sobre o tecido rural, e tal processo é evidenciado pelo formato análogo dos novos loteamentos e as antigas chácaras projetadas pela colonizadora. Tal processo explica uma relação ao parcelamento original.
Com efeito, as linhas de crescimento da cidade que se estabeleceram como elementos reguladores da expansão ainda no período de implantação confirmam a hipótese de que a Companhia projetou inicialmente um eixo de expansão desta Cidade Nova, ao passo que também implantou uma zona de chácaras a fim de garantir espaço para o crescimento. Apesar das referências formais do traçado destas cidades não possuir um apelo estético semelhante as cidades do Norte paranaense, há de se reconhecer uma qualidade espacial da grelha perante as exigências em 1951. De maneira certa, a cidade é constante, mutável e a sua configuração atual é apenas um instante transitório de sua evolução (26). Neste sentido, a análise morfológica e historiográfica aqui apresentada é imbuída de evidências históricas ao passo que permitiu acrescer na história do urbanismo e na ocupação da fronteira Oeste do país, além de justificar a gênese da forma urbana de uma Cidade Nova projetada para ser a sede de uma frente colonizadora.
notas
1
AYMONINO, Carlo. Il significato delle cittá. Laterza, Saggi tascabili Laterza, 1975, p. 3; PANERAI, Philippe; DEPAULE, Jean-Charles; DEMORGON, Marcelle. Analyse Urbaine. Marseille, Parenthèses, 1999, p. 7.
2
ANDRADE, Thompson Almeida; SERRA, Rodrigo Valente. O desempenho das cidades médias no crescimento populacional brasileiro no período 1970/2000. Rio de Janeiro, Ipea, 2001.
3
WACHOWICZ, Ruy Christovam. Obrageros, Mensus e Colonos: História do Oeste Paranaense. 2ª edição. Curitiba, Vicentina, 1987, p. 13.
4
O primeiro contato destes povos indígenas com o “homem branco”, ocorreu no século 16 por parte dos espanhóis e posteriormente pelos jesuítas portugueses, que colocaram em prática o sistema de reduções jesuíticas. SILVA, Oscar; Silva; BRAGAGNOLLO, Rubens; MACIEL, Clori Fernandes. Toledo e sua História. Toledo, Prefeitura Municipal de Toledo, 1988.
5
No Tratado de Santo Idelfonso, a delimitação da fronteira física entre as possessões portuguesas e espanholas foi “desenhada” a partir dos rios Paraná e Iguaçu segundo Wachowicz. Anteriormente, o Tratado de Tordesilhas assinado em 1494 entre portugueses e espanhóis conferia a atual região do Oeste do Paraná como uma propriedade ultramarina espanhola. WACHOWICZ, Ruy Christovam. Op. cit., p. 32.
6
WACHOWICZ, Ruy Christovam. Op. cit., p. 13; 21.
7
GREGORY, Valdir. Os eurobrasileiros e o espaço colonial: migrações no Oeste do Paraná (1940-1970). Cascavel, Edunioeste, 2002, p. 89.
8
NIEDERAUER, Ondy Helio. Toledo no Paraná: a história de um latifúndio improdutivo, sua reforma agrária, sua colonização e seu progresso. 3ª edição. Toledo, Tolegraf, 2011, p. 43.
9
SILVA, Oscar; Silva; BRAGAGNOLLO, Rubens; MACIEL, Clori Fernandes. Op. cit.
10
BRASIL. Atlas de desenvolvimento humano no Brasil. Brasília, PNUD/Ipea/FJP, 2010.
11
MOUDON, Anne Vernez. Urban Morphology as an emerging interdisciplinary field. Urban Morphology, v.1, n.1, p. 3-11, 1997; OLIVEIRA, Vitor. Urban Morphology: An Introduction to the Study of the Physical Form of Cities. New York, Springer, 2016; COELHO, Carlos Dias. O tecido: leitura e interpretação. In CARLOS, Dias Coelho (org.). Cadernos de Morfologia Urbana 1: os elementos urbanos. 2ª edição. Lisboa, Argumentum, 2015.
12
“Conjunto de fenômenos de extensão e adensamento apreendidos do ponto de vista morfológico, isto é, a partir de sua inscrição material no território”. PANERAI, Philippe. Análise urbana. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 2014.
13
OLDONI, Sirlei Maria. Cidades novas do Oeste do Paraná: Os traçados criados pela colonizadora Maripá. Dissertação de Mestrado. Maringá/Londrina, PPGAU UEM / PPGAU UEL, 2016, p. 33-34.
14
MULLER, Keith Gerald. The Settlement Geography of Toledo: A Planned Pioneer Community in South Brazil. Nova York, Springer Publishing, 1967.
15
ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Globo, v. 1, 1969.
16
O presente relatório é a projeção, em resumo, do plano de colonização empregado pela Maripá, sua aplicação prática e seu desenvolvimento até a data de hoje. A aplicação dos princípios básicos constantes desta explanação é que tornou possível o extraordinário progresso verificado em Toledo, progresso este que acaba de superar as previsões dos próprios administradores da Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná S/A. MARIPÁ, Industrial Madeireira e Colonizadora Rio Paraná S/A. Plano de colonização. Porto Alegre: s/e, 1955, p. 2 [mimeo].
17
Idem, ibidem.
18
OBERG, Kalervo; JABINE, Thomas. Toledo: um município da fronteira Oeste do Paraná. Rio de Janeiro, Serviço Social Rural, 1960.
19
Para esclarecimento, a denominação “pouso” indicava um lote ou propriedade de terra, e, além disso, os pousos eram pontos nos quais se armazenava as produções das obrages para serem então, exportadas. SILVA, Oscar; Silva; BRAGAGNOLLO, Rubens; MACIEL, Clori Fernandes. Toledo e sua História. Toledo: Prefeitura Municipal de Toledo, 1988.
20
OBERG, Kalervo; JABINE, Thomas. Op. cit.; Escritório da Industrial Madeireira e Colonizadora Rio Paraná S/A – Maripá, Museu Histórico Willy Barth Toledo.
21
Trevisan, 2010
22
GREGORY, Valdir. Op. cit., p. 77.
23
NUNES, Layane Alves. Para além do Plano de Jorge Macedo de Vieira: a expansão urbana de Maringá de 1945 a 1963. Tese de doutorado. São Carlos, IAU USP, 2016, p. 53.
24
BRASIL. Gabinete da Presidência do Brasil. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Publicada no Diário Oficial da União – Seção 1 05 de outubro de 1988.
25
Como resultado da fragilidade econômica, Ferrari (2009, p.124) aponta que "as baixas taxas de juros pagas pelos bancos em investimentos financeiros foram fatores importantes nessa expansão e, após algumas colheitas abundantes que permitiram aos agricultores capitalizar" com a compra de imóveis na cidade. FERRARI. Walter Júnior. A expansão territorial urbana de Marechal Cândido Rondon – PR: a produção da cidade a partir do campo. Dissertação de mestrado. Dourados, PPGG UFGD, 2009, p. 124
26
PANERAI, Philippe; DEPAULE, Jean-Charles; DEMORGON, Marcelle. Op. cit.
sobre os autores
Mariana Pizzo Diniz é graduada em Arquitetura pelo Centro Universitário da Fundação Assis Gurgacz, especialista em Língua Inglesa: estudos linguísticos, culturais e literários pela mesma instituição, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estadual de Maringá. Doutoranda em Planeamento do Território pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Portugal.
Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima é graduado em Arquitetura pela Universidade Federal do Espírito Santo, especialista em Filosofia Contemporânea e mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Espírito Santo. Doutor em Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo e pós-doutor em Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Maringá.