Otredad
buscando la otredad
la contemporaneidad de las ideas
y la fluidez de las palabras
es que me inmiscuyo como ladrón
a través de tu mirada
es que me escurro como sol de la mañana
por tus piernas
es que me transformo en voz que opina
por tu boca
/pero no sirve/
o al menos no sirve tanto como yo quisiera
porque la otredad
la real y verdadera
/sigue por allí vagabundeando/
sin que nadie la inmiscuya
sin que nadie la recorra
sin que nadie la transforme
sin que a nadie le interese
la contemporaneidad de las ideas
la contemporaneidad de las palabras
/y los hechos/
Humberto González Ortiz
Dissertações sobre o Fórum das Culturas 2004
Normalmente quando começo um artigo de arquitetura, penso muito sobre o que “envolve” a arquitetura da qual pretendo falar. Nós arquitetos não paramos para refletir sobre o que existe nos arredores dos objetos construídos. Normalmente os livros de arquitetura falam do “espaço”, do “objeto” e sobretudo das “intenções formais” do arquiteto.
Há muitos anos estudando e algumas vezes projetando arquitetura, me é impossível “abstrair” da realidade que envolve a arquitetura sobre a qual quero falar. Qualquer “história” para ser entendida deve necessariamente “intrometer-se” na realidade que a gera. Por isso é para mim imprescindível “entender” o contexto no qual se desenvolve a arquitetura analisada.
Barcelona é uma cidade em constante transformação, uma cidade única aonde a população se interessa verdadeiramente por “sua” cidade e participa ativamente dela. A oferta cultural da cidade é inesgotável; falta tempo para poder presenciar a todos os fóruns abertos nos distintos pontos de referência que esta cidade oferece.
A última grande obra de Barcelona é o Fórum das Culturas 2004, aonde – com a desculpa de uma renovação e ampliação da cidade de Barcelona – se abriu um espaço cultural que quer ser “um espaço novo e criativo para pensar e experimentar sobre os principais conflitos culturais e sociais que o mundo tem que enfrentar neste século XXI” (2).
E é justamente a partir desta desculpa para pensar e debater sobre os conflitos sociais e culturais do mundo atual que nasce minha necessidade de opinar sobre a “arquitetura” que cerca o Fórum, colocando em relevo o contexto social “do mundo de hoje” para entender assim o motivo de eu não estar de acordo com este Fórum de “parque temático” da Cultura, que nasceu contaminado de um mar de dúvidas sobre sua legitimidade: “o projeto aparece demasiadamente carregado de compromissos institucionais e de implicações imobiliárias e urbanísticas, submetido a planos de promoção da cidade destinados a turistas e investidores e a estratégias de autolegitimação política oposta à própria cidadania” (3).
Eu advogo mais por uma “multiculturalismo real”, a que fazem os cidadãos ao longo de cada dia, a que constroem nossos filhos diariamente em suas aulas do colégio, a que fazem os arquitetos junto aos moradores pobres nas cidades do terceiro mundo – e com os cidadãos de “segunda” no quarto mundo –, a que alguns arquitetos pretendem esclarecer com uma visão (outra) sobre esta arquitetura atual do merchandising, que não aceita aportes econômicos em cidades cheias de necessidades nos seus mais distintos bairros (4), e aonde nem as autoridades, nem os arquitetos propõem alternativas sólidas para resolver o problema da habitação e da habitabilidade (5).
Há quem justifique o Fórum como uma “necessidade urbanística” (6) da cidade de Barcelona, que precisava sanear os quase 50 hectares localizados próximos do Rio Besós, aonde a Avenida Diagonal desemboca no mar e Barcelona toca no município vizinho de Sant Adriá do Besós. Sem dúvida, no Fórum, a Prefeitura de Barcelona planeja em função de seus interesses econômicos (urbanismo comercial) e do capital privado investidor, ao invés de dar soluções urbanísticas para os cidadãos de Barcelona, constituindo-se um dos casos mais significativos a reforma do bairro de La Mina, para a qual foram destinados apenas 95 milhões dos 2.870 milhões de Euros, valor aproximado do custo total do projeto (7).
Considero que para além da Grande Cidade (a “Grande Escala”, como a chamam alguns) do merchandising se necessita também consolidar uma arquitetura alternativa pedida diariamente nas ruas das caóticas cidades do terceiro mundo, uma arquitetura que se requer com urgência nos guetos de imigrantes das cidades dos países desenvolvidos, aonde os habitantes nômades “de segunda”, habitam espaços insalubres, com amontoamentos doentios, situação que os obriga à apropriação de praças e ruas para aliviar esta “inabitabilidade” na qual transcorre a vida das maiorias empobrecidas do planeta.
Esta é a visão geral da qual parto para falar e dar minha opinião sobre o Fórum das Culturas 2004, e criticar abertamente (como já venho fazendo em várias publicações) (8) este merchandising atual que constrói metros e metros quadrados de arquitetura, no mínimo “indiferente” ante a realidade atual.
Arquitetura não solidária. Uma reflexão
Para entender minhas hipóteses sobre a atual necessidade arquitetônica, parto de duas premissas primordiais:
- Atualmente se constroem metros e metros de arquitetura rentável sob uma pele condicionada pelo estilo da temporada, à qual muitas vezes cria uma espécie de “dislexia” entre o conteúdo construído e seu envolvente formal, que responde mais a cânones “de classe” pretendidos pelos futuros donos-usuários.
- Enquanto isso a realidade planetária é inevitavelmente “a pobreza”, condição que não tem sido superada, mas muito pelo contrário, continua se tornando mais aguda no tempo presente.
A arquitetura atual está cheia de “clichês”, de grossos catálogos fotográficos que são encadernados em luxuosas edições “especiais” segundo a cidade, o nome do arquiteto e a “tendência” do momento.
Os arquitetos “de moda” são os que projetam, desenham e constroem a arquitetura “atual” (que não é moderna, cuidado!), rondam não mais de uma dúzia de personagens que vão imprimindo seus “selos estilísticos” nas melhores capitais do mundo, ou naquelas “que possam pagar-lhes”.
Nos seria fácil imaginar então, as reuniões de prefeitos falando de suas cidades, e fazendo “intercâmbios de figurinhas”... como quando éramos garotos!:
– Eu tenho um Gehry...– Eu um Foster...– Tenho em marcha um Herzog e De Meuron que ficará magnífico...– Sim, mas “nosso” Gughenheim nos custou apenas vinte mil milhões de cruzeiros velhos...
Neste merchandising da arquitetura atual não seria de estranharmos de que em curto prazo os escritórios “importantes”(sic) (9) de arquitetura comecem a ser cotados na bolsa de valores de Nova York:
– As ações de Calatrava subiu dois pontos– As de Rem Koolhas um ponto e meio– Comenta-se que com o novo edifício de Frank Gehry em Barcelona, suas ações subiram quase quatro pontos– Creio que investirei os dez milhões de Euros que sobram em minha Prefeitura em Gehry, que está em alta e assegura “minha” inversão pública.
Se com a construção dos edifícios os arquitetos contribuem para criar (e recriar) a memória coletiva das sociedades e se recordar o mal é a melhor maneira de evitar sua repetição, então aproveito a ocasião para retomar a crítica construtiva à arquitetura de hoje, a qual considero totalmente defasada da realidade atual.
E por quê? Com quais argumentos? Por quê se constrói e se projeta uma arquitetura não solidária?
Ponho sobre a mesa minhas certezas sobre a “frivolidade” na qual se movem os grandes escritórios de arquitetura, que parecem mais preocupados com a “retórica” do objeto e deixam totalmente abandonada a “poética” do habitar humano, vital para entender objetivamente a função social do arquiteto.
Eu faço referência a “nossa” realidade, que de uma maneira ou de outra, começa a ser motivo de preocupação e de criação de pontos de encontro e debate no âmbito mundial. Como tem sido a Conferência sobre Assentamentos Humanos (Hábitat I) no Canadá em 1976, a Cúpula do Rio de Janeiro sobre “Meio Ambiente e Desenvolvimento” (1992), a Conferência sobre População (Cairo, 1994), a Cúpula sobre “Desenvolvimento Social” (Copenhague, 1995), a Conferência sobre a Mulher (Beijing, 1995) ou a Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos “Habitat II” (Istambul, junho 1996) (10), assim como as últimas edições do Fórum Social Mundial de Porto Alegre no Brasil e que este ano se transladará pela primeira vez para a Índia.
Os grandes escritórios de arquitetura dedicam a maior parte de seu esforço na resolução de problemas “formais” das minorias. E considero que a arquitetura do Fórum é um bom exemplo disso.
A construção do Fórum e a ampliação da cidade no Poblenou, repercutiram de maneira atroz na especulação do preço das habitações, na privatização das infra-estruturas do setor, no atraso de obras planejadas pela Prefeitura para outras zonas de Barcelona, e deixou a descoberto, ao menos, “dúvidas mais razoáveis” dos cidadãos e alguns profissionais, ante o evento “cultural” que se supõe representar o Fórum (11).
Em que realidade nasce o Fórum das Culturas 2004?
Na situação política atual é incompreensível a passividade de muitos arquitetos ante a desesperançosa realidade que nos envolve. Devemos falar do Direito à Habitação que reconhece a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 que, em seu artigo 25 assinala que: “Toda pessoa tem direito a um nível de vida adequado que lhe assegure a si e à sua família, a saúde e o bem-estar, e em especial a alimentação, a vestimenta, a habitação, a assistência médica e os serviços sociais necessários” (12). E devemos exigir que os Estados que reconheceram “o direito à habitação” em sua Constituição Política sejam coerentes e disponibilizem os meios e estabeleçam os apoios necessários para que todos os habitantes de seus respectivos países possam ter efetivo acesso a tal direito.
Lanço portanto uma reprovação a essa ânsia pela fama que tem o minoritário mercado arquitetônico que publica nas revistas “para arquitetos” suas grandes bibliotecas, suas grandes catedrais, seus grandes centros de convenções ou seus grandes arranha-céus, com a única intenção de destacar “seu” nome no marketing global da arquitetura não solidária que se pratica atualmente.
E não falo por falar: a atual separação cada vez mais evidente entre o norte industrializado e vanguardista e o sul dependente e individado nos apresenta a dados que provocam calafrios. Posso afirmar que hoje cerca de 5 bilhões de habitantes vivem em condições de pobreza e marginalizados dos planos sociais e dos beneficios da globalização financeira. Falamos de quase 83% da população mundial (13) que se encontra excluída também dos planos “oficiais” de desenvolvimento arquitetônico e urbanístico. Em 1989 os 20% mais ricos recebiam 82,7% da produção econômica mundial, enquanto os 20% mais pobres recebiam apenas 1,4%. Neste processo podemos afirmar que atualmente a renda das 350 pessoas mais ricas do Planeta seja equivalente à soma do que acumula 45% da população mundial.
Diálogo cultural? Sim, mas em igualdade de condições
As divisões entre ricos e pobres derivadas da globalização econômica não se podem resolver com “diálogos entre culturas” e sim, com atuações políticas claras que reivindiquem “o direito à diferença”, mas contanto que haja igualdade de condições entre os distintos povos e culturas do planeta.
E o Fórum das Culturas se afastou abertamente de toda postura política (14), com exceção, quem sabe, de “expulsar” os representantes do Tibet do recinto, devido às pressões políticas do governo da República Popular China.
Mas o certo é que “a política” é parte essencial da mescla de culturas e seu enfrentamento implica em conflitos de estratos de poder. Dois exemplos claros:
- O atual conflito no Iraque coloca em litígio aberto a cultura muçulmana, proprietária do petróleo; e a cultura ocidental, neoliberal e cristã, dona do capital e do conhecimento técnico.
- O conflito zapatista no México é um enfrentamento abertamente “político” para se obter reivindicações culturais negadas pelos grupos de poder ao longo da história.
Ou seja, por detrás deste suposto “diálogo cultural” há um “vazio” político que propicia uma retórica que deslegitima toda ação “cultural”, uma vez que não vem acompanhada de ações “políticas concretas”. Ações “políticas” que denunciassem abertamente e sem disfarces a situação econômica e social dos povos pobres do planeta ajudariam objetivamente a criar um verdadeiro diálogo cultural.
Não poderá existir “diálogo entre culturas” se antes não modificamos as condições de miséria e desigualdade que assola 80% da população mundial. Se não corregirmos as condições das migrações internacionais forçadas, que obrigam a milhões de habitantes pobres a deslocarem-se para os países ricos que os rechaçam, convertendo-os nos novos “párias planetários” no mundo de hoje.
Diálogo cultural? Sim, mas em igualdade de condições.
A sombra da especulação
No ano de 1999 um piso de 80 m2 de segunda mão no Poblenou custava 15 milhões das antigas pesetas (~95.000 Euros). No ano seguinte o mesmo piso custava 22 milhões de pesetas, cerca de 120.000 Euros. No ano 2000, um andar novo de dimensões similares custava 30 milhões de pesetas, ou aproximadamente 180.000 Euros.
Atualmente o custo médio de um piso “novo” em Poblenou está entre 50 e 60 milhões de pesetas (entre 300.000 e 360.000 Euros). Fallamos, portanto, de uma inflação média de quase 300% em 5 anos, o que representa 60% anuais (15).
Se observarmos nesses mesmos 5 anos a evolução do Salário Mínimo Interprofissional (SMI) na Espanha, as diferenças são notavelmente inferiores. No ano de 1999 o SMI era de 418 Euros mensais, e no 2004 de 460,50 Euros mensais, o que significa um incremento de “apenas” 8,50 Euros anualmente (16).
Ou seja, para uma família com renda média ou média baixa é “impossível” adquirir uma habitação na zona Fórum, e se por acaso tivessem acesso a ela, comprometeriam mais de 50% de seus ganhos familiares para pagar uma hipoteca por durante 30 ou 40 anos.
A arquitetura do Fórum optou decididamente por fazer a “maior Praça do mundo”, por fazer o “maior “Centro de Convenções do Mundo”, por não abrir espaço para as novas gerações de arquitetos na renovação do parque arquitetônico barcelonês, por não construir massivamente habitações de “interesse social” ou de “aluguéis acessíveis” a jovens e idosos, por não resolver “efetivamente” os problemas do degradado bairro da Mina, por não pensar mais nas pessoas do lugar e entregar muito do parque construído à classe empresarial louca para coalhar a costa do litoral de “nomes” de grandes arquitetos que referendem de maneira clara “o investimento” e rentabilizem “mundialmente” o nome de Barcelona na escala planetária.
À pergunta sobre qual a utilidade democrática tem o espaço urbano que deixa o Fórum, responde o antropólogo Manuel Delgado: “É uma simples almofada de ajuste entre a Mina e o Novo Bairro da Diagonal Mar, uma espécie de porta corta-fogo para proteger a renovação residencial e terciária desta zona. Barcelona vive de ornamentações e a operação urbanística associada ao Fórum é uma manobra para garantir que as políticas de terciarização capitalista possam ser levadas a cabo sem problemas” (17).
Se a arquitetura do Fórum pretendia “abrir” novas oportunidades urbanísticas à cidade de Barcelona e aos barceloneses, creio que fica em evidência que a onda de críticas democráticas a este novo conceito de “urbanismo” que “exclui” os cidadãos está mais do que justificada!
Uma vez mais os arquitetos e a arquitetura têm tomado partido pela arquitetura não solidária e especulativa.
Uma revisão “outra” do Fórum das Culturas 2004
O primeiro grande problema que enfrentou o Fórum das Culturas foi a polêmica “do lanche”. Não era permitido aos visitantes carregarem lanches para “obligá-los” a consumir dentro do recinto. O Prefeito Joan Clos livrou depois a cara permitindo finalmente às pessoas carregarem seus sanduíches para dentro recinto.
Veio depois o problema “técnico” das goteiras no recinto dos guerreros de Xián e que obrigaram a fechar a exposição ao público enquanto se solucionava (sic) as goteiras.
Além disso a organização do Fórum (com o Prefeito Joan Clos à frente) teve que enfrentar a mobilização democrática, que protestou contra a especulação e os “interesses obscuros” que financiaram o projeto Fórum (18).
Não considero que estes fatos sejam meras “anedotas” (19), uma vez que estão presentes neste projeto urbano quase desde sua concepção.
Um dos efeitos mais devastadores da globalização econômica é o abismo exponencial existente entre os ricos e os pobres. O informe sobre o Desenvolvimento Humano de 1999 assinala que a diferença de receita entre os mais ricos e os mais pobres do mundo se incrementou de 60 a 1 em 1990 a 74 a 1 em 1997 (20). 20% das pessoas situadas no nível superior dos países mais ricos produz 86% do PNB mundial, enquanto 20% do nível inferior produz apenas 1%. O contraste entre riqueza e pobreza excludente é abismal atualmente. E estes son dados que vão mais além da anedota frívola.
Pois bem, sempre que nos referimos a problemas mundiais, situamos quase todos “longínquos” de nossa realidade cotidiana de cidadãos ricos de primeiro mundo. E o Fórum das Culturas utiliza esta visão “simplista” dos problemas da orbi, já que não propõe soluções concretas para as “causas”, e se contenta exclusivamente com “diálogos retóricos” sobre as “conseqüências” das desigualdades no mundo de hoje.
E os arquitetos “de renome” têm enchido o Poblenou de pequenos “selos”, seguramente caros, que resultam na criação desta espécie de divertimento cultural que permanece apartada dos cidadãos, das realidades e das ações políticas concretas.
Como disse no início deste artigo, me é impossível abstrair da realidade para falar de uma arquitetura que, isolada, pretende ser refência de não sei quais tendências, formalismos e conteúdos.
Longe de pretender frivolizar ou fazer demagogia com os problemas “paralelos” à arquitetura do Fórum, quero mostrar “tudo” o que encerram os projetos de arquitetura, e não apenas explicar “se a função define a forma”, ou “se a forma define a função”... “e a tendência”. Para isto já existem as Revistas de Arquitetura “para arquitetos”.
Da anedota à realidade, uma disertação final
Com este artigo quero unir-me às vozes que desejariam que o Fórum tivesse uma visão paralela de si mesmo, uma realidade bizarra que abordasse realmente os problemas da cultura, da política, da sociedade, mas desde posições mais coerentes ante o mundo desigual que se delineia neste nascente século XXI.
Quero contribuir com estas dissertações, tentando aglutinar de novo o grêmio arquitetônico para que este se engaje também, participando como ente político no debate sobre a arquitetura que necessitamos com urgência aqui e agora. Uma arquitetura que dignifique ao homem e seu entorno, e que deixemos já de “adular” de maneira “grosseira” estas modernas arquiteturas de papier maché, que custam milhões de dólares e que respondem a uma “formalidade”, entendida como mero “capricho” arquitetônico.
Barcelona “não necessitava” do Fórum das Culturas para se projetar internacionalmente. As cidades de hoje “não necessitam” do desgaste financeiro que representa a construção “espetacular” dos espaços urbanos como o do Fórum, porque se um recinto pretende representar a culturalidade mundial, “não pode” gastar quase 2.870 milhões de Euros na edificação de um “Parque Temático” da Cultura.
E quem sabe Barcelona deveria deixar de lado um discurso se não falso, certamente envolto de contradições (e de espaços urbano-arquitetônicos “caros”) e dedicar-se “enfaticamente” em contribuir para a normalização e a eqüidade entre o norte rico e o sul cada vez mais e mais empobrecido.
Atualmente apenas há dois temas: ou a arquitetura “espetacular” e mediática do merchandising da nova economia; ou a arquitetura que se “compromete” com o problema da pobreza extrema, e que se compromete para que o próximo Fórum das Culturas inclua também os cidadãos.
E se conseguirmos isso, então sim poderíamos sorrir ante a “anedota” do lanche sim, ou do lanche não, para entusiasticamente descrever e explicar arquiteturas “comprometidas” com a realidade, com a cidade, com a necessidade, com a formalidade, com a poética, e – por quê não? – com a própria arquitetura.
A arquitetura e nós arquitetos deveríamos nos preocupar verdadeiramente com a transformação coerente do meio, “e dos meios”, ajudando assim a “re-construir” nossa memória edificada.
Direciono para isso os meus argumentos e deixo aberta a porta para o diálogo.
notas
1
Barcelona,2 de agosto de 2004.
2
Página Web oficial do Fórum: www.barcelona2004.org.
3
Declaração final do IX Congresso de Antropologia do Estado Espanhol (FAAEE). Barcelona, setembro de 2002. Informação obtida na página web http://fotut2004.org/é/diversitat/1.pdf.
4
”Na cidade existem reivindicações pendentes de bairro, andares com problemas que levam 11 anos esperando, um déficit de equipamentos que afeta todos os distritos e um grande etcétera”. ANAYA, Andrés. “Els números del Fòrum”. La Veu del Carrer, nº 84. Barcelona, abr./maio 2004 <www.linuxbcn.com/favb/pdfs/carrer_84/84_08.pdf>.
5
Cabe assinalar que a nova Ministra da Habitação do governo espanhol elaborou um plano de choque para combater a especulação imobiliária dos últimos anos, que segundo dados do próprio Ministério, tem ocorrido a um aumento constante de 11% anuais no preço da habitação desde 1987.
6
”Há quem diga que o Fórum é uma desculpa para urbanizar a cidade. E não é mesmo? Portanto é, sem dúvida, um motivo para acabar com o último recanto deixado pelas mãos de Deus, dos homens e dos governos, até o presente. Estava este território desmantelado e finalmente prestaram atenção nele”. CAPELLA, Jordi. “Acontecimiento y ciudad. Estrategias de crecimiento de Barcelona”. Revista: Arquitectura Viva, nº 94-95. p. 36.
7
”As obras, que não afetam a totalidade do bairro (de La Mina), acabarão, se tudo for bem, no ano 2010. Os vizinhos, que sobrevivem há anos em blocos imundos, estão estupefatos diante da dupla velocidade das obras. O Fórum é muito rápido, La Mina, lenta”. “Els números del Fòrum”. Op. cit.
8
GONZÁLEZ ORTIZ, Humberto. “Carlos González Lobo. Caminos hacia lo alternativo dentro del ámbito conceptual, proyectual y contextual de la arquitectura”. Tese de Doutorado, <www.tdcat.cesca.es/TDCat-0619102-190229>. Ver também: 1. “Arquitectura e indiferencia. Carlos González Lobo... búsqueda de una arquitectura apropiada”. Comunicação apresentada no III Congreso Internacional Arquitectura 3000. La arquitectura de la indiferencia. Barcelona, de 30 de junho a 2 de julho de 2004; 2. “Arquitectura e indiferencia. Carlos González Lobo... búsqueda de una arquitectura apropiada”. Arquitextos, Texto Especial nº 243. São Paulo, Portal Vitruvius, julho 2004 <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp243.asp>.; 3. “Indiferencia... ¿y arquitectura?. Carlos González Lobo... búsqueda de una arquitectura apropiada” <http://www.sobrearquitectura.com/cgi-bin/of_busctemas.cgi?p=2&sdf=4>; 4. “Arquitectura en precario. La propuesta de Carlos González Lobo”. Ergo-Sum, Vol. 11, nº 1, mar. 2004 ; 5. “Arquitectura en precario. La propuesta de Carlos González Lobo”. Legado de Arquitecturay Diseño, nº 1. Plaza y Valdés, sep. 2003 / feb. 20049
Os que constroem as habitações sociais ou reabilitam escolas e hospitais, os arquitetos “comprometidos” que constroem dia a dia arquitetura de qualidade, mas que estão alijados do boom de promoções internacionais (Rogelio Salmona, na Colômbia ou o desaparecido Engenheiro Eladio Dieste no Uruguai, são dois excelentes exemplos disso)... não jogam na “Primeira Divisão” da arquitetura de hoje. E os que se dedicam a projetos de cooperação junto aos colonizadores para “fazer cidade” no terceiro e quarto mundo, sequer figuram nos créditos!10
Para um maior conhecimento sobre os temas da Iberoamérica e do HABITAT II se pode consultar: Iberoamérica Ante Hábitat II. Actas de las Jornadas celebradas en la Casa de América. Madri, 30 e 31 de maio de 1996. Programa CYTED (Programa Iberoamericano de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento). Secretaría General do Plan Nacional de I+D. Ministerio de Fomento. Junta de Andalucía. Serie Monografías. Madrid, Centro de Publicações, Secretaría General Técnica, Ministerio de Fomento, 1996.11
”A curto prazo, o Fórum deve demostrar que é um êxito organizativo e que é capaz de projetar internacionalmente os grandes debates que preocupam hoje a humanidade. Em longo prazo, deverá constatar se a operação urbanística impulsionada por esse acontecimento conta com suporte social, intercultural e inclusive meio-ambiental e aponta para um projeto de convivência ou somente responde a negócios especulativos”. CLARÓS, Salvador. “El veritable objectiu del Fòrum”. La Veu del Carrer, nº 84. Op. cit. <http://www.linuxbcn.com/favb/pdfs/carrer_84/84_16_17.pdf>.
12
Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Consultar a página web www.um.org/spanish.
13
”Atualmente a população mundial soma cerca de 6 bilhões de habitantes e se afirma que 5 bilhões vivem em condições de pobreza”. Fórum Social Mundial 2002. Uma assembléia da humanidade. Vários autores. Porto Alegre, Icaria Editorial, mar. 2002, p. 58.
14
De fato houve uma polêmica quando no dia da inauguração os discurso de abertura do Rei Juan Carlos e do Presidente do Governo José Luis Rodríguez Zapatero foram flanqueados pelas bandeiras da Catalunha e da Espanha.
15
Segundo dados da empresa imobiliária TINSA, Barcelona, com um preço médio de 2.660 Euros por metro quadrado de habitação de construção nova, é a segunda cidade mais cara da Espanha depois de Madri. Informação obtida da página web da Cadena SER: www.cadenaser.com. Barcelona, 27 de julho de 2004.
16
Informação obtida da página web do Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais: www.mtas.é/infpuntual/SMI2004/Inicio.htm.
17
Entrevista de Marc Andreu ao antropólogo Manuel Delgado, intitulada: “l Fòrum trivialitza la diversitat i ven la Ciutat”. Informação obtida na página web: www.linuxbcn.com/favb/pdfs/carrer_84/84_06.pdf. La Veu del Carrer (op. cit.), nº 84, p. 6.
18
”Os sócios capitalistas deste Fórum são o Grupo Endesa, Telefónica, La Caixa, Toyota e o Corte Inglés, e os patrocinadores até agora são IBM, Indra, Iberia, Damm, Media Pro, Nestlé, Nutrexpa, Randsted, Henkel, Leche Pascual, Coca-Cola, Roca, GLEvents e AGBAR. Encontramos aqui empresas repetidamente denunciadas por agressões ao meio ambiente e aos povos indígenas pelos próprios consumidores e trabalhadores, e comprometidos com a economia da guerra e do neoimperialismo”. 10 razones para no ir al Fórum.
19
Tal como afirma Luis Fernández-Galiano em seu prólogo “Semáforo del Fórum”. Arquitectura Viva, nº 94-95 (op. cit.).
20
Pragrama das Nações Unidas para o Desenvolvimento, “Informe sobre desarrollo humano”. Nova York, Oxford University Press, 1999, p. 2. (o quinto da população mundial dos países mais ricos em comparação com o quinto dos países mais pobres).
sobre o autor
Humberto González Ortiz é Doutor em Arquitetura pela Universidade Politécnica da Catalunha e arquiteto da Universidade Nacional Autônoma do México.