José Barbedo: O mote desta entrevista tem que ver com a constatação de que tem havido uma descontextualização da arquitetura, às vezes um certo esvaziamento do discurso arquitetônico das suas dimensões políticas. Mas eu cheguei a São Paulo e quando vi esta sua obra do Sesc (1), ela é precisamente o contrário, um manifesto de tudo o que tem defendido como visão de cidade aberta. Nesse aspeto, penso que a sua obra se distingue por esse conteúdo e essa afirmação política, perante uma visão de cidade que desafia sempre os seus limites.
Paulo Mendes da Rocha: Então, eu é que deveria te entrevistar. Porque você acha isso? Se você disser…é toda a graça da questão…a arquitetura também é um discurso. O que é que ela te diz? Não sou eu que tenho de explicar.
JB: Sim, no que ela diz está essa abertura que, no fundo, faz uma diferença vital no sentido em que cria oportunidades para qualquer cidadão na sua vida cotidiana. Então é uma arquitetura que marca a diferença, que marca a diferença na vida das pessoas. Mas a minha curiosidade é sobre a reflexão crítica que tem feito sobre os pressupostos do moderno, dessa visão de cidade moderna, perante também uma modernidade que num plano mais amplo, não aconteceu. Talvez seja afirmada em obras como esta, mas também se pode ler em certos detalhes uma certa frustração desta não acontecer (2). Então, o que é ser moderno neste novo milênio, no século 21?
PMR: Você sempre é moderno, você não pode ser antigo, como é que você faria? Teria que ser, o que se chama…um conservador, não é verdade? Estamos condenados a viver a vida como ela anda (3). Porém é preciso, dessas observações ao Sesc que foi inaugurado agora, não esquecer que não é o arquiteto que fez aquilo…a piscina, aquilo é uma encomenda do Sesc. Portanto você tem toda a razão quanto à questão política, mas não é uma política feita pelo arquiteto. Tem que ser solidária com o andamento…a política é desencadeada pela sociedade, é o povo que faz (4). Nesse ponto o Sesc merece todos os comprimentos, por uma questão: o programa é dele. Se o arquiteto fosse outro ele teria de realizar o mesmo programa. É o Sesc que encomenda biblioteca, sala de dança, ginástica, restaurante etc. Portanto, é nessa medida que é política, a política não é do arquiteto. O que você pode ressaltar como uma questão do arquiteto ou de qualquer perspectiva de você se formar, se educar, é a consciência de cumprir essa dimensão política dos feitos humanos.
JB: E essa consciência também tem se alterado, essa visão de modernidade, quando afirma que estamos condenados a ser modernos – no entanto hoje, por exemplo, no Brasil se vive uma afirmação das forças conservadoras, que parece estar mais presente no mundo, em certa medida. Então nós estamos sujeitos a essas tensões, mas também nossa visão do que é essa modernidade vai mudando… A minha pergunta começa por essa constatação que faço (e que gostaria que me confirmasse ou não) de que a arquitetura tem perdido algum papel nessa defesa de uma certa visão de cidade. E também em que medida a sua visão também mudou ao longo destes anos. Há muitas questões que ao longo das últimas décadas passaram a estar muito mais presentes. E há uma tomada de consciência relativamente a alguns aspectos que antes não estavam tanto na ordem do dia. E com isso a visão de modernidade mudou. O que é ser moderno hoje? O que será um projeto de modernidade para o Brasil hoje? É bem diferente do que era há cinquenta anos atrás…
PMR: Eu não penso muito assim. A questão da dimensão política do entendimento do que seria moderno, podia ter sentido no que seria oportuno. Se você considerar os quatrocentos anos de navegações que chegaram à América, ou seja o descobrimento da América, toda a América já foi inaugurada moderna. Porém como uma luta, uma contradição. Entre o conservadorismo, ou a especulação pura e simples – a escravatura, a retirada do ouro daqui etc. – ou a construção da América. Depende do seu ponto de vista. O que sem dúvida muda com os tempos são os recursos técnicos para aproximar ou tentar realizar esse projeto moderno. Mas o projeto em si, como ideologia e ideário, desejo humano, é sempre o mesmo.
Veja você, esse ano de 2017 que findou, foi o ano onde se comemorou o primeiro centenário da revolução soviética: os dez dias que abalaram o mundo. O que se prometia e o que se intentava nessa revolução era entre outras coisas, rever a exploração do homem pelo homem e a construção da paz. Isso não cessou, isso não mudou. O que muda é que hoje você tem de discutir em relação à construção da paz, o que ninguém esperava em 1917. Não havia a bomba atômica etc. Uma Coreia do Norte e uma Coreia do Sul... Então, o cenário muda, mas o projeto não muda.
notas
1
O Serviço Social do Comércio é uma instituição privada de interesse público que promove ações no campo da Educação, Saúde, Cultura e Desporto, suportado por uma rede de unidades de assistência e centros de atividades em milhares de municípios brasileiros.
2
Se o edifício do Sesc assume um partido muito claro de trazer a cidade para dentro de si mesmo, podemos observar que a entrada no seu interior se faz de modo controlado por uma das extremidades do piso térreo, sendo os restantes planos fechados para a rua com painéis que parecem evocar uma instalação provisória. Esta solução reflete as imposições programáticas de aplicação de dispositivos de controle que afunilam permeabilidades e continuidades no espaço urbano. A solução arquitetônica resulta assim da tensão entre condicionamentos impostos e a vontade do arquiteto, indiciada através de uma materialização formal cujas intenções precisam ser descodificadas.
3
Ao colocar em oposição a ideia de modernidade à figura do conservador, PMR enfatiza o sentido inconformista e prospetivo do projeto moderno, na qual as condições do presente são continuamente questionadas através dos seus interlocutores.
4
Sendo uma instituição privada, os recursos financeiros do Sesc advêm da retenção de uma percentagem dos impostos descontados dos salários dos empregados do comércio, destinados ao financiamento de investimentos que assegurem a prestação de serviços sociais à população.