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interview ISSN 2175-6708

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Entrevista do arquiteto português José Barbedo com o arquiteto brasileiro Paulo Mendes da Rocha, ocorrida em São Paulo, em 2018.

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BARBEDO, José. A arquitetura como insurgência. Conversa com Paulo Mendes da Rocha. Entrevista, São Paulo, ano 22, n. 086.04, Vitruvius, jun. 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/22.086/8108>.


Lago Paranoá, Brasília
Foto Wilson Dias [Agência Brasil]

José Barbedo: A visão não muda? Por exemplo, vou dar um caso concreto: a matriz energética brasileira. Aquilo que se pensava e aquilo que está como legado – estamos a falar de algo que se vai construindo ao longo do tempo e que quando se opta por certos caminhos é mais difícil alterar um determinado modelo, que é um modelo centralizado dependente de grandes infraestruturas de produção e distribuição. E hoje seria interessante para o Brasil pensar em outro modelo energético, mais descentralizado, mais voltado para a produção de energia a partir de fontes renováveis em vez de estar tão suportada em recursos fósseis (5).

Paulo Mendes da Rocha: Parece que sim. Não é? Ao que parece há muito tempo é assim. Seria preciso lutar com energia para que não fosse assim. É fácil você imaginar que o petróleo tirado da massa material do planeta, se transformar em gás posto para fora é um desastre – principalmente para ser usado no automóvel, que é um instrumento estúpido – ou seja, estamos permanentemente numa luta para a realização dos altos ideais do gênero humano.  É nesse sentido que eu digo que não mudou nada. Você veja o quanto que se discutiu, o tempo que se perdeu, o dinheiro que se gastou no Brasil com a construção de Brasília, tão recente – não é o caso de se discutir arquitetura em questão – é caso de discutir a política que diz que o desenvolvimento do território nacional se dará com a mudança da capital: isso é uma visão colonialista, você pôr a pata lá para dominar e conquistar... Não é assim! A fundação de novas cidades no interland é fatal se você desenvolver a navegação fluvial, se você construir a paz inclusive se associando com outros países da América Latina para fazer projetos que só podem ser feitos em comum – a ligação do Atlântico com o Pacífico – e tudo isso vai fazer surgir necessariamente inúmeras novas cidades e não a ideia de mudar a capital. Então a questão da ideia que conduz às ações é iminentemente uma questão política. O que há em Brasília é uma política errada, errática. De você primeiro desmoralizar o Rio de Janeiro, tirando a capital de lá, e veja o que aconteceu. E segundo fundando uma nova capital que não tem desenho, não tem cultura, um cenário teatral.

JB: Mas, no entanto, Brasília foi pensada por um conjunto de pessoas, inclusive intelectuais brasileiros que estiveram envolvidos nesse projeto e que acreditavam, como um sonho de modernidade, como uma força impulsionadora.

PMR: Mas, tudo o que foi feito no nazismo (6) por exemplo, que é uma infâmia que ninguém discute, que quase acabou com a Europa nesse século 20. Também foi um engano muito aprovado por muitos intelectuais. O intelectual não é um sacerdote que o que diz é verdade. Justamente a graça do que chamam de política é pôr em discussão as ações do homem. E não aceitá-las como determinantes.

JB: Voltando então ao tema apontado, o investimento que foi feito no pré-sal (7).

PMR: É um engano. Um grande engano, com certeza. Nós tínhamos que sair para uma abjuração do transporte individual, do automóvel etc. Fala-se abertamente – o próprio Brasil tem um esboço de iniciativas já determinadas, até certo ponto sacramentadas, em relação à energia atômica para fins pacíficos (8), e coisas assim, entre outras, a energia eólica. Mas precisa ver que o moinho de vento é uma coisa meio antiga, você não acha? Portanto esse negócio da energia eólica e tudo isso, é como se você dissesse: há muito tempo que temos errado politicamente.

JB: Mas, na verdade, esses grandes projetos têm sido sempre legitimados como algo necessário à emancipação do povo brasileiro.

PMR: Você pode dizer que não. Você não precisa se submeter. Sempre teve muita gente que disse não. Nós tomamos aqui o exemplo de Brasília, como uma coisa americana e moderna – que do ponto de vista da arquitetura também nos interessa – porque a ocupação de largos espaços pela atividade humana, para amparar o trabalho humano, a vida humana, não exige a fundação de cidades artificiais. O que se espera é a transformação da própria natureza para amparar a vida humana. Porque a natureza por si não é habitável. Você tem que construir o habitado, não é verdade? E essa construção implica transporte por exemplo, você tem que optar entre transporte individual ou transporte público etc.

notas

5
Segundo o Relatório oficial de Minas de Energia de 2015, a oferta interna de energia no Brasil é altamente dependente de combustíveis fósseis, na qual o petróleo representa 39,5% e o carvão e gás contribuem com 27,5 %. As monoculturas de cana de açúcar, responsáveis por uma grande parte do desmatamento e perda de biodiversidade no Brasil, contribuem com cerca de 16%, a energia hidroelétrica 11 %, e as usinas nucleares cerca de 1,3%. No cômputo geral, a geração de energia eólica concentrada no Nordeste brasileiro é a migalha na mesa da matriz energética brasileira, e a energia solar nem figura nas estatísticas. No que respeita a investigação tecnológica, segundo um estudo do IPEA, o governo brasileiro investiu menos de 0,0013% do seu PIB anual na pesquisa de energias renováveis entre 1999 e 2012. Para uma crítica mais aprofundada deste tema ver: BARBEDO, José. O Brasil potência e a potência do Brasil. Correio do Porto, Porto, 23 ago. 2016 <https://bit.ly/3pcoXJZ>.

6
Não é por acaso que os momentos históricos evocados por Paulo Mendes da Rocha são os horrores do nazismo alemão e as promessas da revolução soviética – se o primeiro nos serve como exemplo da mais absoluta barbárie (mesmo que ultrapassados em larga escala pelos genocídios que ocorreram na América, também frequentemente presentes nas suas reflexões), o segundo nos leva a questionar como a tentativa de superação de regimes opressivos pode ser subvertido através da eliminação da liberdade dos indivíduos, seja pelo despotismo do poder do estado ou qualquer outro projeto hegemônico de dominação capitalista.

7
Para além das incertezas quanto à viabilidade económica de extração de petróleo em águas profundas face às recentes flutuações do seu valor de mercado, o debate público sobre a exploração do pré-sal tem sido marcado por egoísmos locais e nacionais. Quando em 2008 o barril de petróleo estava a USD$160, a a repartição de recursos entre os diferentes estados brasileiros estava no centro do debate doméstico. No Rio de Janeiro este debate foi extremamente disputado, reclamando as receitas provenientes do pré-sal na sua área marítima para os cofres do estado. Mais recentemente, a queda do preço do barril de petróleo pôs em causa as receitas federais provenientes do pré-sal previstas destinadas para investimento público em saúde e educação.

8
O Ministério de Minas e Energia Brasileiro anunciou em abril de 2017 a construção de quatro usinas nucleares até 2030, e de acordo com o seu plano de longo prazo, o número de unidades de produção deverá aumentar 500% até 2050 com a construção de outras oito usinas nucleares. Relativamente aos riscos ambientais associados à mineração e enriquecimento de urânio para exportação e produção de energia nuclear, é preocupante a ausência de um debate sério na sociedade brasileira sobre possíveis acidentes nucleares como o de Fukoshima, entre muitas outras catástrofes ambientais que poderiam ser aqui citadas. Para uma crítica do programa nuclear brasileiro ver: BARBEDO, José. A galinha dos ovos de ouro de Temer e o dilema nuclear brasileiro. Correio do Porto, Porto, 9 jul. 2016 <https://bit.ly/3uHYh4A>.

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