José Barbedo: Hoje há uma consciência maior dessa questão da natureza enquanto suporte, o clima. Tudo é uma construção humana. Isso é algo novo, não tínhamos esse dado. Quando falamos que estamos numa nova era – não sei como se posiciona relativamente à ideia de uma nova era geológica, que estamos no Antropoceno, que o homem adquiriu e se assume como uma força transformadora capaz de alterar as nossas condições de vida, exatamente através desses processos de troca de matéria do subsolo para a biosfera... É um pouco como aquela escultura que vi agora no Sesc, do “Ponto final” (de Elisa Bracher). Então o Homem será os tirantes dessa peça, que perante o desequilíbrio que provoca terá que encontrar um novo equilíbrio para sustentar o planeta. Isso são dados novos para uma visão de modernidade?
Paulo Mendes da Rocha: Não são tão novos assim... Temos que nos preparar para esse andamento. E não é finito o conhecimento. Só que esse (conhecimento) não leva a nada que seja definitivo para garantir a existência humana no planeta. Nós podemos ser extintos como tantas espécies já foram, a qualquer momento. Inclusive por imprevisibilidades, por algo imprevisível que não tínhamos pensado ainda, que pode ocorrer.
JB: Então essa reflexão é que é nova. Pode não ser novo, mas… a nossa reflexão, talvez ainda não tenhamos tido tempo para refletir. No Brasil parece que se vive neste momento essa situação de que não houve ainda tempo para fazer uma reflexão, para que se vislumbre uma outra visão de futuro.
PMR: Você falou no Brasil não houve tempo e onde é que houve?
JB: Eu penso que no Brasil e no mundo.
PMR: Ah, já não é mais uma particularidade deste ou daquele país. As questões da condição humana hoje, para quem pensa, não tem nada que ver com este ou aquele. Somos habitantes de um pequeno planeta.
JB: Mas de certa forma existe um legado, um vislumbre de possibilidades no Brasil, de superar a sua própria matriz que está na gênese deste país enquanto algo que se formou sobre determinados movimentos de exploração, e que no fundo se refletem no seu modelo econômico (9).
PMR: Você faz uma crítica que mostra que não tem que ser assim necessariamente. É nessa variante que está a experimentação e a ideia de atuação política. Você parece que se desvia da ideia fundamental que é gozar da liberdade. Quando você quer dizer o que está determinado – não está nada determinado.
JB: Não está determinado, mas há uma constatação de que existem vetores de relutância.
PMR: Então, você tem que combatê-los. Ou não?
JB: Como? A questão que se coloca hoje, para as gerações mais jovens.
PMR: A única arma que se tem é o discurso. Você não vai querer comprar armas não sei aonde para combater à bala. Combate-se com discurso, escola, educação. Política se faz com palavras. Você vai dizer, não, se faz com ações. Mas a partir de palavras. Precisa combinar, precisa viver um regime onde se discutem as questões, amplamente. Tudo o que é dogma e dogmático não vai bem nesse quadro de raciocínio. Não lhe parece?
JB: Sim.
PMR: Tem que partir de uma liberdade total.
notas
9
As características do modelo econômico brasileiro, e sua dependência de um sistema de depredação de recursos naturais com profundas raízes históricas no patrimonialismo brasileiro, é analisado em outro artigo publicado pelo entrevistador. Ver: BARBEDO, José. A crise política brasileira e a pesca do bacalhau. Correio do Porto, Porto, 4 jun. 2016 <https://bit.ly/3pc37pQ>.