Programa de Arrendamento Residencial
Fundamentos
A proposta aqui apresentada, para além de criar um projeto localizado, busca, a partir do desenvolvimento de um SISTEMA, estabelecer uma alternativa viável para a habitação social no Brasil, fundamentando-se nas seguintes premissas:
- a definição de um CONCEITO construtivo e estrutural que permita a configuração das mais diversas tipologias habitacionais e que viabilize uma resposta adequada às mais diversas regiões, climas e tradições do morar do território brasileiro;
- a busca de soluções construtivas que permitam a redução significativa do custo final da unidade através da aplicação de materiais e técnicas alternativas associada à possibilidade de industrialização parcial ou total do processo de construção;
- a viabilização da sua aplicação em larga escala, de modo a contribuir efetivamente para a redução do déficit habitacional brasileiro, contribuindo para a superação das deficiências e limitações que historicamente caracterizaram este tipo de ação no país;
- a preocupação com a minimização do custo ambiental que a construção civil gera nas suas aplicações e procedimentos convencionais. Para isso contribuem a redução significativa da geração de resíduos que o processo de montagem industrializada permite, e o reaproveitamento na construção de resíduos de reciclagem difícil e onerosa – a caixa de leite longa vida – como molde, caixão perdido, isolamento térmico e acústico, ampliando com isso a consciência ambiental e a inclusão social através do incentivo à coleta, reciclagem e montagem dos moldes para a fabricação dos painéis;
- a possibilidade de parcerias com empresas da iniciativa privada que, através de ações de responsabilidade social, possam estimular as ações relacionadas à reciclagem e contribuir para a construção das unidades através do financiamento pelo PAR - Programa de Arrendamento Residencial.
O sistema e seus componentes
O sistema foi pensado de modo a permitir a construção de qualquer edificação a partir da combinação de painéis pré-fabricados em concreto para piso, teto e paredes. Completam o sistema divisões internas leves, uma alternativa em estrutura metálica para alturas maiores do que 3 pavimentos, uma alternativa para cobertura leve, sistema de esquadrias industrializado e instalações racionalizadas, como se detalhará a seguir.
Painéis: produção e montagem
O elemento fundamental que dá ao painel sua forma, reduz seu peso, lhe confere propriedades de isolamento térmico e acústico e reduz o seu custo final de produção é a caixa de leite longa vida, ou caixa tetrapak. Os painéis são pré-fabricados com nervurados em concreto armado definidas por caixões perdidos em moldes compostos por embalagens recicladas. Suas dimensões são múltiplos do molde e das nervuras, de modo a reduzir ao mínimo o consumo de concreto. Com espessura final de 10cm, apresentam faces externas de concreto de 2cm, com recheio de 6cm (largura da caixa de leite). Essa pequena espessura gera baixo consumo de concreto, enquanto a função portante é exercida pelas nervuras armadas cujo espaçamento máximo é de 70cm, o que assegura uma distribuição uniforme das cargas como em alvenarias estruturais, sem contudo demandar grandes espessuras de alvenaria e ainda permitindo a definição de um espaço interno livre de estruturas e conseqüentemente com arranjo funcional flexível.
Executados com formas metálicas, apresentam acabamento final em uma de suas faces em concreto aparente, que pode ser utilizado como piso acabado e como acabamento externo ou interno das unidades. A outra face apresenta três alternativas de acabamento, o que favorece uma maior diversidade plástica e de ambientação dos espaços internos: o face oposta à forma pode ser polida na concretagem, com aparência semelhante à outra; pode ser lavada com jato de água pressurizada no segundo dia de cura, deixando exposta a brita com acabamento texturizado; pode ser apenas desempenada na execução, e pintada com tinta acrílica ou esmalte nas mais diversas cores, conforme a necessidade de manutenção, proteção contra intempéries e ambientação dos espaços internos. Para os painéis de piso, cuja configuração estrutural demanda a utilização da caixa-molde na vertical, com altura de 16cm e capeamento de 4cm, com altura final de 20cm, pode-se, ainda durante o processo de industrialização da peça, aplicar uma camada de gesso rápido na face que constitui o teto da unidade do pavimento inferior, em que as caixas ficariam visíveis. Alternativamente, pode-se executar o painel de piso com 22cm de espessura final, com camada de concreto aparente de recobrimento das caixas na face de forro.
Todos os painéis podem ser totalmente industrializados, com transporte e montagem no local. Para este caso, o dimensionamento máximo das peças deve ser estabelecido em função da localização da obra, da avaliação do grau de dificuldade de transporte e montagem. Em função destas restrições, e do fato de grande parte dos terrenos destinados a habitação social no Brasil apresentarem topografias e acessos pouco favoráveis, evitou-se a definição de painéis de grandes dimensões, que demandariam a utilização de carretas (12 metros) e guindastes de grande porte, o que reduziria a aplicabilidade universal do sistema. Foram então estabelecidas as seguintes dimensões e cargas padrões, transportáveis por caminhões trucados de carroceria de 7 metros e montáveis por pequenos guindastes e, nos casos de pequenas alturas, por caminhões Munck, cuja menor capacidade de carga é 2.200kgs, e cuja menor carroceria é de 5,50metros:
- Painéis de piso: 3,35 x 4,50, com 20cm de espessura, com peso unitário aproximado de 2.100 kgs.
- Painéis de parede divisória entre unidades (parede cega): 5,32 x 2,44, com 10cm de espessura e peso unitário aproximado de 1.850 kgs.
- Painéis de parede com aberturas: 4,40 x 2,44, com 10cm de espessura e peso unitário aproximado de 1.530 kgs.
Atendendo ao programa PAR, o processo de construção pode adotar a pré-moldagem dos elementos no próprio canteiro de obras, reduzindo significativamente os custos de transporte e em especial eliminando o custo resultante do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, que incidiria sobre os painéis em caso de completa industrialização.
Fora do programa PAR, o sistema pode ainda apresentar semi-industrialização, com participação da população interessada em esquema de auto-construção orientada – Mutirão – no acabamento interno das unidades, como mencionado, e ainda pode apresentar todo o processo participativo, em regime de mutirão inclusive na fabricação de montagem dos painéis. Neste caso, podem ser fornecidas as formas e as telas de armadura, e a concretagem, desforma e montagem podem ser orientadas por profissional coordenador no canteiro de obras.
Divisões internas das unidades
Para as divisões internas, duas alternativas podem ser adotadas conforme o modo de produção das habitações:
Sistema industrializado: divisórias industrializadas tipo dry-wall com placas de gesso acartonado nas áreas secas e placa cimentícia nas áreas molhadas, divisórias em painéis de concreto celular autoclavado, com altura igual à do pavimento, quando o todo o processo de produção da moradia for industrializado;
Sistema semi-industrializado: alvenaria em blocos de concreto celular autoclavado ou em tijolos cerâmicos furados quando se optar por sistema misto com participação dos futuros moradores em sistema de mutirão no acabamento interno das unidades (padrão CDHU –São Paulo). Ainda que não se enquadre no programa PAR, essa alternativa é válida para outros modos de gestão de programas públicos de habitação.
Fundações e estruturas
Para o caso de pequenas construções até 2 pavimentos, e dependendo do tipo e da resistência do solo, pode-se adotar a fundação tipo radier, definida pelo próprio painel de piso assentado diretamente sobre o terreno limpo e regularizado com argamassa tipo solo-cimento a fim de evitar desnivelamentos entre os painéis. Os diferentes painéis que compõem a base são solidarizados por concreto expansível e é montado o conjunto de painéis autoportantes diretamente sobre eles.
Para o caso de terrenos de baixa resistência, ou com maior probabilidade de recalques diferenciais a base tipo radier pode ser montada sobre terreno previamente nivelado e estaqueado de modo a estabilizar a placa principal portante.
Para o caso de construções de maior altura (de 3 a 7 pavimentos), prevê-se a construção de blocos isolados com estacas de fundação definidas conforme o tipo e a resistência de solo (estacas metálicas, estacas perfuradas por hélice contínua, tubulões ou mesmo trados perfurados manualmente). Cada bloco de fundação se dispõe nas extremidades de cada um dos painéis de piso, formando para cada painel o mínimo de 4 pontos de apoio. Complementarmente à capacidade portante dos próprios painéis, prevê-se para edifícios de maior altura a associação do sistema com uma grelha tridimensional com 6 x 9 x 2,64 metros em perfis metálicos leves, de modo a estabelecer um contraventamento geral dos painéis, estabilizando o conjunto. Essa estrutura se instalaria a cada 2 módulos de unidades.
Esquadrias
Em virtude da conciliação entre economia e produção industrial em larga escala, propõe-se a adoção de esquadrias metálicas industrializadas no padrão comercial. Tais esquadrias podem ser fornecidas já com vidro e pintura final, de modo a reduzir a demanda por mão-de-obra para acabamentos no canteiro.
A fim de preservar a continuidade das nervuras do painel, e conseqüentemente assegurar sua integridade estrutural, todas as aberturas, quando inseridas em painel, apresentam rigorosamente o mesmo padrão de dimensão e abertura e, em função das demandas de uso de cada ambiente, se compõem em panos de aberturas maiores ou menores. Com isso, atinge-se a máxima padronização do processo industrializado e a redução de custos pela repetição do elemento fundamental de abertura ao mesmo tempo em que se assegura a necessária qualificação dos ambientes internos. As esquadrias podem ser instaladas concomitantemente à fabricação dos painéis, ou podem ser instaladas após sua montagem. Excepcionalmente em obras executadas em regime de mutirão, este sistema permite ainda que cada morador possa dispor suas aberturas como melhor lhe convier, assegurando maior autonomia na definição do espaço da moradia e resultando em uma diversidade formal cuja unidade é assegurada pela malha rigorosa das nervuras estruturais dos painéis.
Nas faces de abertura dos quartos, a fim de assegurar maior qualidade ambiental e permitir extensões avarandadas pela construção de deck’s exteriores conforme a necessidade do usuário, propõe-se a utilização de esquadria metálica em cantoneira, paginada em 44x80cm, o que equivale a submodulação das dimensões da placa de vidro (220x320cm) de modo a evitar desperdício e permitir sua padronização e conseqüente redução de custo. As pequenas dimensões do módulo permitem a aplicação de vidro de pequena espessura. Associada à definição de grande parte dos elementos fixos, com aberturas apenas dos dois primeiros módulos de cada extremidade, reduz-se significativamente o custo final da esquadria. Nestas faces, a laje do último pavimento se extende até a extremidade dos painéis laterais projetados como brises de modo a ampliar a vida útil das esquadrias e a proteção dos ambientes internos através da redução da incidência de chuvas sobre os panos de vidro.
Para as portas de entrada de cada unidade, a utilização da porta metálica ventilada, com vidro mini-boreal, permite ampliar a iluminação e ventilação das salas sem comprometer a privacidade das habitações. Nos sanitários, as portas metálicas tipo veneziana apresentam menor custo, maior facilidade de montagem e maior durabilidade em relação às portas tipo prancheta de madeira quando expostas ao ambiente úmido.
Nos fechamentos das áreas de dormir, propõe-se a utilização de um sistema de abertura composto de portas prancheta envernizadas ou pintadas, articuladas por dobradiças e um trilho superior. Esse sistema, embora ligeiramente mais caro do que uma porta simples, permite otimizar a utilização do espaço interno da unidade, reduzindo a excessiva compartimentação que em espaços de área reduzida compromete sua habitabilidade. Tal solução permite a integração das áreas de dormir, de uso predominantemente noturno, à área social da unidade, ampliando as áreas de sociabilidade e uso coletivo e diurno.
Para proteções, guarda corpos e gradis, a utilização de requadros em tubo ou cantoneira, com vedação em tela eletro-soldada de vergalhões permite também a fabricação industrializada pelo mesmo equipamento de montagem das armaduras dos painéis nervurados, definindo uma linha de produção paralela.
Coberturas
Nas coberturas, duas alternativas diferenciadas foram desenvolvidas, a serem aplicadas conforme a necessidade de redução das cargas gerais da edificação, e ainda em função na necessidade de configuração de avarandados e coberturas leves:
Lajes nervuradas, executadas em painéis com mesmo padrão das lajes de piso, já produzida com os necessários caimentos, com aplicação de manta asfáltica auto adesiva aluminizada. De aplicação fácil e limpa, dispensa a usual proteção mecânica, reduzindo o carregamento, a produção de resíduos e entulhos e o custo final do sistema. A proteção em alumínio reduz ainda a transmissão de calor para o ambiente interno. Esta manta industrializada pode ser substituída, em casos de mutirões, por um conjunto semi-artesanal composto por uma camada de asfalto a quente recoberta por uma manta de caixas de leite abertas e costuradas, com a face de alumínio voltada para cima. Esta solução, como nos painéis, amplia a participação popular, reforça a consciência ecológica e gera renda para as comunidades envolvidas na sua fabricação artesanal.
Coberturas leves, compostas por um conjunto de elementos de revestimento, estrutura, isolamento e proteção na seguinte seqüência: forro em aglomerado de alta resistência tipo OSB, com 6mm de espessura e dimensões de 2,44x1,22m, aparente e envernizado, grampeado na estrutura portante; estrutura portante em caibros de madeira padrão comercial dimensão nominal de 7x4cm formando uma grelha de 1,22x1,22m; no espaçamento entre os caibros, moldes em caixas de leite reunidos de modo a gerar um núcleo isolante; placa de eucatex, com 2,5mm de espessura e dimensões de 2,44x1,22m, grampeado na estrutura portante; manta asfáltica auto-adesiva aluminizada, ou manta artesanal de tetrapak sobre a base em eucatex.
Instalações hidráulicas e elétricas
A definição das instalações hidráulicas visa a um só tempo racionalizar sua montagem e promover maior flexibilidade de uso das instalações. Em virtude de seu alto custo e do tempo de uso reduzido de cada equipamento, a solução de banheiro convencional, com as três peças – pia, vaso e chuveiro – dispostas em um único compartimento, gera ociosidade no seu uso e prejudica o atendimento a todos os usuários. Com o objetivo de ampliar as possibilidades de uso simultâneo dos diversos equipamentos, bastante desejável para o caso de famílias mais numerosas, foi definido um núcleo hidráulico com compartimentos independentes para chuveiro e vaso, e com a pia no corredor externo de acesso. Articulados ao redor do shaft que concentra todas as prumadas, reduzem os percursos de instalações, e a área molhada que demanda acabamentos de maior custo.
Como um dos mais importantes componentes da construção no que concerne ao custo são as instalações, sua racionalização e padronização, no caso de projetos de habitação social, é fundamental para a redução do custo final e a viabilização dos empreendimentos. Neste caso, a necessidade de racionalização dos sistemas se amplia pelo fato de a industrialização dos elementos construtivos principais não permitir interferências após a sua fabricação. Para equacionar estas questões, foram definidos os seguintes pontos para ordenar as instalações nas unidades:
- a definição de um único shaft por unidade, através do qual são conduzidos:
- uma única prumada de água que deriva para todos os equipamentos ao seu redor – pia, vaso, chuveiro, pia de cozinha e tanque, com um único registro geral por unidade;
- uma única prumada de esgoto, para a qual convergem as águas do ralo do chuveiro, do vaso, das pias e tanque;
- uma prumada de ventilação dos esgotos, que se eleva até acima da cobertura;
- uma prumada de drenagem pluvial da cobertura;
- uma prumada de fornecimento de energia, desde o medidor no térreo, conduzindo até o quadro de entrada, embutido na alvenaria perimetral do sanitário, próximo ao shaft;
- uma prumada de fornecimento de telefone, conduzindo até o único ponto de telefone da unidade, na alvenaria perimetral do sanitário voltada para a sala;
- uma prumada para antena coletiva, conduzindo até o único ponto de tv da unidade, na alvenaria perimetral do sanitário voltada para a sala.
A elevação do piso no espaço interno dos boxes de vaso e chuveiro para a montagem de toda a instalação de esgoto e sua conexão com o shaft por sobre o painel de piso industrializado. Essa solução evita a execução de inúmeros furos no painel – o que seria indesejável em pavimentos elevados e inviável no pavimento térreo -, dispensa a execução de forros nos tetos dos banheiros, e permite diferenciar e impermeabilizar os pisos das áreas molhadas dos sanitários, dando-lhes acabamento em revestimento cerâmico.
A distribuição de todas as instalações elétricas nas alvenarias internas da unidade, reduzindo ao mínimo os pontos de energia nos painéis industrializados de modo a ampliar sua padronização de fabricação. Em apenas duas situações, propõe-se a utilização de eletrodutos aparentes: no teto da sala, a fim de localizar no centro do ambiente um ponto de luz e de promover a interligação entre as duas alvenarias internas – dos sanitários e dos quartos – e na cozinha e na sala, no painel de divisão entre unidades, a fim de viabilizar a instalação de pontos para máquina de lavar roupas e geladeira.
As tipologias e alternativas de montagem do sistema
O sistema proposto permite desenvolver inúmeras tipologias, tanto de edifícios residenciais verticais, como casas geminadas e residências isoladas para a classe média, como também espaços para usos não residenciais. Para todas as atividades que podem se desenvolver em espaços modulados, de pequenas dimensões, como pequenos centros de comércio, edifícios de salas para prestação de serviços, hotéis, motéis, pequenas escolas, creches, asilos, entre outros, é possível, a partir da combinação dos elementos básicos do sistema, atingir soluções que conciliam economia, rapidez de execução e flexibilidade. Contudo, em virtude da natureza específica da premiação, se limitará aqui a demonstrar as variações relacionadas à questão da habitação.
Tipologia para o plano PAR
A fim de atender aos requisitos mínimos definidos pela Caixa Econômica Federal para que o apartamento possa ser construído e comercializado através do Programa de Arrendamento Residencial, as dimensões dos módulos básicos do sistema permitem a conformação de unidades com área de 39,60 m2 (2 módulos de 4,50m x 4,40m), com a possibilidade de acréscimo de mais 7,40 m2 através da livre apropriação pelo usuário da extensão dos painéis de parede laterais que dividem as unidades. O intervalo existente entre eles, correspondente à altura da laje, permite a montagem de um deck, tablado ou laje pré-moldada após a comercialização da unidade, gerando um espaço avarandado ou ampliando o espaço interno da unidade.
Em virtude da concentração das áreas molhadas, cuja especialização funcional é mais determinada, os demais espaços apresentam total flexibilidade, de modo a admitir configurações que atendam às mais diferentes necessidades dos usuários finais. Para que essa flexibilidade seja efetiva, o conceito de painel nervurado é determinante, uma vez que viabiliza a configuração da planta livre no espaço interno da unidade.
Além disso, o arranjo interno típico reforça um alto nível de indeterminação funcional através da utilização das portas sanfonadas em prancheta que viabilizam a total integração diurna das áreas de dormir ao espaço coletivo, evitando a especialização e a determinação funcional destes ambientes e estimulando uma apropriação mais híbrida e múltipla de cada espaço. Tais painéis ampliam ainda a iluminação e ventilação naturais da unidade, favorecendo a ventilação cruzada e a abertura visual da sala para o exterior.
Ao viabilizar a ampliação da área do apartamento e ao permitir a interferência e individualização do módulo após o término da pagamento do arrendamento e aquisição da unidade, tanto no espaço interno como na sua aparência externa, o sistema evita a racionalidade asséptica e sem vida que a industrialização costuma produzir, viabilizando a transformação da imagem do edifício e a inclusão da diversidade, o que favorece a sua assimilação pelos padrões não eruditos próprios das regiões urbanas de periferia, e permite a adaptação de um espaço mínimo às diferentes necessidades determinadas por distintas composições familiares, pela eventual coexistência de habitação e trabalho, e por especificidades nos modos de vida decorrentes das mais diversas tradições e culturas.
Tipologia para apartamentos quarto-sala conjugados
Em situações específicas, é possível a definição de apartamentos de 23,94m2 tipo quarto-sala conjugados. Nesta tipologia, adota-se uma variação da tipologia PAR em que não se separam os quartos, definindo um espaço aberto e integrado que concentra todas as atividades. Nesta situação, a área interna reduzida demanda a previsão de mobiliário flexível, que favoreça a transformação dos arranjos internos com facilidade a fim de permitir diversas ocupações ao longo do dia. Assim, cama rebatível ou sofá-cama e mesa recolhível ou dobrável viabilizam a célula mínima de existência individual.
Tipologia para casas geminadas duplex em linha
A partir da variação da tipologia PAR desenvolveu-se uma alternativa para a construção de casas geminadas em linha. Adequada para lotes urbanos de esquina ou conjuntos de lotes, permite o acesso sempre térreo, com aproveitamento em mezanino a fim de ampliar o aproveitamento do solo e a densidade. O mezanino permite ampliar a área útil da unidade para 54,68 m2 – um painel de laje (3,35 x 4,50m) em mezanino – ou até 69,75 m2 – dois painéis de laje em mezanino - e viabiliza a instalação da caixa d’água dentro do volume edificado, o que favorece a aplicação da cobertura leve em OSB+Tetrapak, a reduzir as cargas de fundação e consequentemente o custo final da unidade. A tipologia PAR permite também esta configuração, para o que se faz necessária a construção de castelo d’água independente caso se aplique a referida cobertura.
Tipologia para casas geminadas triplex em colméia
Para áreas que demandem maior ocupação e aproveitamento do solo, a solução triplex permite a geminação de unidades em três lados do módulo básico de 4,50 x 4,50m, com 50,40 m2 de área construída. Concentrando o núcleo hidráulico no solo, reduz-se o custo com instalações de esgoto e se flexibiliza a apropriação dos dois pavimentos superiores, acessíveis por escada helicoidal. Cada um destes pavimentos apresenta piso com 3,25 x 4,40 (dimensões resultantes do uso do painel padrão de laje), sendo que o shaft, necessário para a distribuição das instalações de energia e para a ventilação da rede de esgoto, orienta a localização dos armários e equipamentos fixos. A fim de garantir boa qualidade ambiental, difícil de ser atingida com abertura de apenas uma face da edificação, prevê-se a montagem de uma abertura para tiragem do ar quente e iluminação complementar por sobre o vazio que configura o eixo de entrada e a integração entre os pavimentos.
Esta tipologia permite a configuração em linha, mas é especialmente interessante na definição de grandes massas edificadas com reentrâncias semi-públicas de acesso às unidades e pátios semi-privados, de uso compartilhado entre um pequeno número de residências.
Esta tipologia, como a anterior, com custo aproximado entre R$ 32.000,00 a R$ 50.000,00, podem ser financiados, para aquisição do terreno e execução de obra ou para aquisição do imóvel já construído, através de Carta de Crédito associativo Recursos FGTS Individual, que permite financiamento de até R$ 72.000,00, desde que se localize na malha urbana e seja dotado de vias de acesso, soluções para abastecimento de água, energia elétrica e esgoto pluvial e sanitário.
Tipologia para residências para classe média
A coordenação modular dos elementos básicos permite a configuração de edificações de maior área, atendendo a programas residenciais recorrentes na classe média, como casas isoladas ou geminadas duas a duas com três ou quatro quartos, suite, sala, varanda e garagem. Essas soluções podem ser desenvolvidas em uma infinidade de tipologias, em um ou mais pavimentos, com, cobertura leve ou laje, com variação na implantação em função da topografia ou em terrenos planos. A fim de ilustrar essa variedade que o sistema permite, apresenta-se uma residência de um pavimento com 153 m2, com 4 quartos, garagem, suíte. A ordenação modular permite a configuração de pátios e jardins com diferentes gradações de privacidade, e a combinação dos dois tipos de cobertura permite a acomodação das instalações sobre a laje e a definição de pés-direitos mais generosos, com ventilação e luz em shed, nos espaços de permanência.
Imóveis de maior área podem ser financiados, para aquisição do terreno e execução de obra, ou para aquisição do imóvel já construído, através de Carta de Crédito FAT Habitação – Individual – SFI – Sistema Financeiro Imobiliário, para imóveis até R$ 180.000,00.
O projeto de um conjunto de apartamentos
O lugar
Para o desenvolvimento do projeto foi escolhido o terreno disponível em Betim, MG. Esta escolha se deveu às seguintes razões:
- suas dimensões (especialmente a largura de quadra de 60 metros) permitem o desenvolvimento de um modelo de assentamento que pode ser generalizável para praticamente todos os estados, uma vez que os loteamentos mais comuns se utilizam do lote urbano de 360m2 (12x30m), que, reunidos em grupos de pelo menos 6 lotes, permitem a configuração de terrenos com 36x60m, e testada para duas ruas paralelas.
- a possibilidade de definição de acessos pelas duas ruas laterais, através da configuração de ruas internas semi-públicas que reeditam a ordenação urbana da quadra padrão e dão acesso a pátios internos arborizados semi-públicos.
- a existência de variação significativa na topografia permite o desenvolvimento de solução que aproveita o escalonamento em platôs para a implantação dos edifícios, viabilizando igualmente um modelo que pode se adequar às mais diversas variações topográficas.
- a demanda rigorosa da legislação municipal que exige uma vaga de estacionamento por unidade. Atendida esta demanda, em situações menos rigorosas (uma vaga a cada duas unidades ou duas vagas a cada três unidades) será possível maior adensamento ou a ampliação das áreas verdes e de lazer.
Além destas especificidades, que favorecem a demonstração da universalidade do sistema, outros condicionantes do lugar foram observados e equacionados, especialmente a proximidade excessiva com a rodovia, que gera altíssimo nível de poluição sonora, a existência de parada de ônibus na testada voltada para a rodovia, que gera grande fluxo de pedestres na rua Domingos Belém, o fato de esta e a rua Pitangui se constituirem em via de acesso às áreas adjacentes, com trânsito constante, embora não intenso, o que favorece ali a localização dos acessos, e a existência de arboredo de porte significativo no talude de concordância entre os platôs mais elevados, local em que se evitou implantar qualquer edificação.
O projeto: partido e implantação
A implantação reedita a topografia existente, definindo através da movimentação simples de corte e aterro nova geometria para os platôs, com dimensões rigorosamente iguais, escalonados com taludes de 2,64m de altura, equivalente a 1 pavimento. Essa altura favorece a implantação da edificação e, em terrenos com maior ou menor declividade, permite ajustar a extensão de cada platô.
Optou-se por definir acessos diferenciados em cada platô através de portal configurado por um módulo de apartamento (4,40, de vão), com pé-direito sempre duplo ou triplo de modo a demarcar enfaticamente o caráter semi-público da passagem. Assim, os blocos edificados se implantam paralelamente à rua, configurando em seu interior uma seqüência escalonada de pátios arborizados. Controlados visualmente pelas circulações avarandadas de acesso aos apartamentos, permitem acomodar os estacionamentos e estimulam a apropriação livre dos usuários ao demarcar territórios diferenciados relacionados a cada conjunto de unidades, configurando unidades de vizinhança. Essa estratégia evita a ruptura drástica entre o espaço público da rua e o interior privado do edifício, evitando a segregação dos seus moradores e estimulando a interação social com os habitantes do entorno imediato.
No platô mais elevado, foram implantados estacionamentos e área de lazer, integrados com o pavimento superior do bloco oeste, mais baixo, que abriga um extenso varandão para festas e reuniões e atividades coletivas, acessível por passarela leve em meio ao arboredo e pela continuação das escadas externas de acesso às unidades. Essa diferenciação de altura dos blocos, bem como sua diferença em extensão, se deve à importante preservação do arboredo, que ambienta as áreas coletivas, e ao limite máximo de 160 unidades residenciais imposto pelo programa PAR e também pela legislação municipal, acima do que se passaria a utilizar uma cota de terreno por unidade que reduziria o empreendimento. A configuração do varandão permite ainda demonstrar a variedade do sistema e as diversas alternativas que propicia na ordenação dos espaços públicos e na sua configuração formal.
A fim de reduzir o impacto da poluição sonora decorrente do trânsito da rodovia, foi projetado um grande talude gramado e arborizado que define uma barreira elevada para as áreas internas, ocultando a presença do conjunto para quem passa pela rodovia. Evitou-se ultrapassar a altura do talude na edificação mais elevada, distanciou-se a área edificada da fonte de ruído, e utilizou-se exclusivamente a orientação leste-oeste para as aberturas, evitando direcionar qualquer abertura para a fonte direta de ruído a sul. Com essas medidas, minimiza-se o impacto e se viabiliza a configuração de espaços com bom nível de habitabilidade.
Unidade e diversidade: superestrutura e apropriação
Um conceito determinante da solução adotada para as edificações e sua organização visa permitir a modificação de cada unidade por seus usuários. Essa modificação, além de possibilitar um acréscimo de área, como já dito, estimula a diferenciação e a individualização dos espaço de cada moradia. Ao estimular esta diferenciação, o projeto concilia as definições rigorosas necessárias para o enquadramento nos planos de financiamento e nos padrões de industrialização com uma consideração ativa das formas culturais de apropriação espacial da habitação. Permite, neste caso, a evolução horizontal da unidade a partir da apropriação das abas laterais entre unidades que configuram um brise, constituindo uma varanda ou ampliação do espaço interno da unidade. Esta extensão é facilitada pelo intervalo existente entre os painéis, que apresenta altura equivalente à do painel de piso, a permitir a instalação de uma estrutura leve, como um deck de madeira, ou mesmo a construção posterior de uma laje pré-fabricada. O pequeno vão entre painéis (4,50m de eixo) pode ser vencido com peças de madeira de 20cm (altura exata do intervalo entre painéis) ou com uma laje pré-moldada que resultaria em uma espessura de 15cm que, acabada com contrapiso e piso, preencheria os mesmos 20cm disponíveis. Essa modificação elimina a regularidade absoluta que os processos de industrialização determinam, e gera um alto grau de indeterminação e mutabilidade da edificação, tanto no que concerne ao uso e à definição dos seus espaços internos como na imagem do edifício. Com isso, o edifício não apresentará jamais uma forma fechada e final: a conformação regular industrializada é a forma inicial que, ao longo dos anos, tende a apresentar-se em contínua transformação, assegurando a qualidade que a implantação e os sistemas industrializados apresentam com as mutáveis necessidades programáticas impostas pelo cotidiano.
Em outras situações, especialmente em soluções mais adensadas com o uso de outras tipologias como a triplex em colméia, é possível também prever a evolução vertical através da construção de um pavimento adicional avarandado, típico das regiões periféricas brasileiras. A fim de demonstrar essa alternativa, foi criado sobre o bloco de menor altura do edifício proposto uma cobertura leve (OSB+Tetrapak) em toda a sua extensão. Este recurso, ao reeditar os padrões de apropriação do espaço e de crescimento das edificações existentes na vizinhança, favorece o condicionamento climático da edificação ao criar sobre ela uma área sombreada e ventilada e configura um amplo espaço de uso público com vista para o interior do pátio e para a paisagem circundante, no caso específico para o parque existente a noroeste.
Ao mesmo tempo em que o edifício aponta para a possibilidade da assimilação gradativa dos padrões construtivos existentes na vizinhança, através das sucessivas alterações que cada usuário vier a empreender em sua unidade, o partido arquitetônico proposto, que define dois extensos volumes lineares paralelos à rua, marcando de modo rigoroso a sua modulação construtiva, assegura uma unidade arquitetônica que permite conciliar um princípio geral ordenador da forma e construção à diversidade dos padrões culturais e das tradições trazidas por cada morador. Como nos projetos dos edifícios viaduto de Le Corbusier, para Alger, Rio de Janeiro e Buenos Aires, há uma síntese entre urdidura e trama, em que a superestrutura conforma o edifício na paisagem, determina sua implantação e a relação entre áreas públicas e privadas, assegurando a sua qualificação urbana, enquanto a livre apropriação de cada unidade revela a diversidade e a variedade em uma síntese entre a ordem geral da construção e da ordenação do território e as necessidades da vida cotidiana.
ficha técnica
Menção Honrosa – Categoria PAR – Programa de Arrendamento Residencial
Autores
Arquitetos Bruno Santa Cecília e Carlos Alberto Maciel; Engenheiro Civil Raul Neuenschwander
Colaboradores
Rafael Silveira, Bruno Berg e Fernanda Dubal