Programa de Arrendamento Residencial
O problema
O problema da 'Habitação Popular' ou da 'Habitação Social' é um pouco mais complicado do que a falta de um termo semântico que expresse corretamente o conceito de habitação de baixo custo.
Alguns fatores econômicos podem ser apontados, hoje, pela grande 'demanda habitacional reprimida' brasileira:
- A insignificante participação da 'massa salarial' no PIB Nacional, tornando a aquisição de um bem como a habitação muito cara;
- A grande concentração de renda, o que agrava a primeira causa;
- A baixa qualificação profissional da maioria da população economicamente ativa, sujeita, assim à baixa remuneração.
O último fator é pior, pois significa, na verdade, a falta de acesso, de grande parte da população brasileira, ao maior de todos os bens e direitos de um cidadão: a educação.
A falta de recursos suficientes para aquisição da casa própria aliada à falta de uma plena consciência do que seja um 'habitat humano' verdadeiro, pela maior parte da população, permitiu que, no passado, as soluções habitacionais privilegiassem apenas a produção em quantidade, mas não a sua qualificação. Na visão tecnocrática o déficit numérico era o que importava. Foram, então, produzidos verdadeiros depositários de pessoas, pelo Brasil afora.
Em nome do 'quem não tem nada aceita qualquer coisa', as periferias das grandes e médias cidades brasileiras acomodaram essas verdadeiras 'ruínas modernas': fantasmagóricos conjuntos habitacionais, configurados por unidades produzidas em série; a utilização de sistemas construtivos tecnologicamente obsoletos; a redução de custos levada a termos absurdos; unidades habitacionais providas apenas de 'quarto e banheiro' [!]; etc.
O concurso promovido pela CAIXA pode ser uma boa oportunidade para indicar caminhos diferentes para a proposição de soluções para o Problema Habitacional brasileiro. Isto porque, é considerada a possibilidade de se ocupar pequenos e médios terrenos vazios - o que permite configurar escalas de empreendimentos mais próximas do que se entende por 'comunidade' - existentes no 'interior' das malhas urbanas das médias e grandes cidades brasileiras. Considera-se também a possibilidade de se ocupar os 'vazios edificados' dos centros esvaziados das grandes cidades brasileiras. Ainda mais promissor isto se torna quando se trata de ocupar imóveis da própria União ou de Estados e Municípios ociosos [uma importante contrapartida do Poder Público como forma de subsidiar e baratear a habitação]. Esta nova postura pode beneficiar, de fato, as cidades e o desenho dos seus ambientes urbanos, beneficiando, também, toda a população. Uma cidade constituída de vazios, especialmente de edifícios vazios, além de socialmente injusta, é feia.
Outra oportunidade relaciona-se ao Programa de Arrendamento Residencial - o PAR. Mais do que um simples plano financeiro [como está atualmente estruturado] o programa pode, se ampliado e reestruturado constituir-se num verdadeiro programa de educação para o habitat humano e conseqüentemente promover a conscientização de cidadãos sobre suas responsabilidades sociais e comunitárias. Como o arrendatário é um candidato à propriedade, uma 'gestão social' do programa poderia empreender ações no sentido de educar para a convivência em comunidade e para o pleno exercício da cidadania de seus futuros proprietários. Promovendo a instrução e habilitação do arrendatário, de forma a torná-lo um proprietário consciente de suas responsabilidades e direitos sociais, provendo não apenas a habitação, mas o sentido de morar e habitar a casa, a comunidade e a cidade.
A habitação desenha a cidade – Um PAR em Salvador-Bahia
Escolhemos o terreno localizado em Salvador para demonstrarmos os princípios que devem determinar o bom programa habitacional de baixos custos. Na verdade, a despeito de se tratar de habitação de baixo custo, dirigida então às camadas mais pobres da população, os princípios aqui estabelecidos deveriam orientar toda a solução arquitetônica habitacional destinada a qualquer segmento sócio-econômico. E, também, como dito acima optamos pelo Programa de financiamento do tipo PAR, o qual estabelece alguns pressupostos e características do imóvel ou terreno a ser utilizado e que são socialmente mais justos e urbanisticamente mais adequados, os quais sejam: o imóvel deve estar inserido na malha urbana e ser dotado de todas as infra-estruturas urbanas.
Os princípios de projeto e desenho que, em nosso entendimento, devem qualificar a solução arquitetônica e urbanística habitacional são a [I] excelência do sistema construtivo aplicado [segurança, acabamento, relação custo-benefício, relação entre padronização e especificidade, etc.]; [II] padrões dignos e aceitáveis de conforto e habitabilidade das unidades habitacionais; [III] a proposição de espaços de convívio e encontros, valorizando a vida em comunidade; [IV] o direito à Arquitetura e à Estética; e o mais importante de todos, a solução de arquitetura por mais padronizada que possa ser a tecnologia construtiva empregada, [V] deve primar pela integração do projeto com o contexto urbano imediato e, sobretudo constituir-se numa oportunidade de [re]desenhar a Cidade - uma 'estética urbana'. Assim, esta urbanidade da solução arquitetônica deverá constituir-se em um sinal de respeito ao maior de todos os artefatos e a maior de todas as instituições criadas pelo homem, que é a Cidade.
Deste modo procuramos em nossa proposta para o terreno de Salvador, localizado no bairro de Pernambués, atender aos pressupostos de projeto e desenho estabelecidos:
- Escolhemos um sistema construtivo e estrutural moderno, de relativo baixo-custo [elimina o uso de formas, possui baixíssimo desperdício], durável, prima pela padronização e coordenação modular, garante a perfeita execução de prumos, segurança, baixo custo de manutenção e rapidez de execução. Trata-se da Alvenaria Armada em Blocos de Concreto;
- A escolha do sistema construtivo, e também estrutural, permitiu que fosse definida uma unidade habitacional modular [7.50x5.50m = 41.25m2], cujo vão estrutural organizado em seu sentido longitudinal - no sentido dos 7.50m - possibilitou que todas as paredes internas constituíssem simples divisórias, portanto utilizando-se blocos de alvenaria mais estreitos, liberando maior área útil para os ambientes e criando alternativas de novos lay-outs. Para garantir ainda uma melhor habitabilidade das unidades habitacionais, as divisórias longitudinais e as esquadrias de vedação externas - cuja caixilharia será em aço galvanizado e do tipo basculante - possuem na parte superior um faixa de elementos vazados em concreto [cobogós], de modo a facilitar a circulação cruzada, retirando mais rapidamente o excesso de vapor d'água dos ambientes.
- A agregação das unidades em linha e sua implantação perimetral ao terreno, embora obedecendo aos afastamentos determinados pelas normas urbanísticas, foi a solução encontrada para conferir ao conjunto o seu caráter urbano e também o seu específico desenho arquitetônico. Isto permitiu a configuração de um pátio interior ao conjunto, constituindo-se em espaço de convivência comunal, ao mesmo tempo em que determina uma escala de transição entre o espaço público das ruas limítrofes ao terreno e o espaço privado das unidades habitacionais. A implantação proposta também demandou elementos de conexão entre as unidades - as passarelas de circulação - e de infra-estrutura do conjunto - as caixas d'água - os quais possibilitaram reforçar a personalidade do desenho e especialmente valorizar as entradas e a configuração da esquina em ângulo, a qual seria perdida, como um elemento valorizador do espaço urbano, se o fechamento do conjunto fosse feito por um simples muro. As passarelas de circulação e as caixas d'água oferecem também proteção à fachada do Bloco Oeste, já que a rua Numa Pompílio tem orientação poente. Além do que as passarelas também permitem uma relação de contato mais aberto dos moradores do conjunto com a rua Numa Pompílio, como uma espécie de rua elevada.
- A preocupação com algumas questões inerentes à habitação multifamiliar e sua relação com os pressupostos de desenho estabelecidos e mesmo com o contexto urbano trabalhado - como o terreno em esquina - fizeram com que algumas alternativas fossem associadas à solução para lhe proporcionar sustentabilidade econômica, social e urbana. Esta alternativa consubstanciou-se na determinação do pavimento térreo como de uso comercial. Isto trouxe uma série de vantagens à solução arquitetônica e a ratificou definitivamente como também sendo uma solução urbanística. É a Arquitetura desenhando a cidade. Essa alternativa retoma uma tradicional solução de arquitetura e urbanismo de nossas cidades que, hoje, perdeu-se por conta da idéia de segmentar os usos em zonas urbanas, separando a habitação do uso comercial, quando na verdade são usos complementares. Essa alternativa permite 'fechar' o terreno, porém mantém a animação urbana nas calçadas e conseqüentemente uma espécie de 'vigilância social'. Pode-se, assim, retirar o estacionamento das imediações das áreas de convívio localizadas no interior do terreno, colocando-o junto às ruas, valorizando o uso comercial e viabilizando a necessidade eventual por vagas de estacionamento, tanto para o comércio quanto para as habitações. O uso comercial constitui uma contrapartida financeira para o próprio financiamento das unidades habitacionais ou pode propiciar a amortização dos inevitáveis custos condominiais. Inclusive para tal também foram propostas as localizações de suportes para painéis publicitários em alguns elementos das fachadas e da volumetria [empenas e caixa d'água], cujo arrendamento propiciará fundos para manutenção do conjunto. O uso comercial do térreo viabilizou também o re-desenho das calçadas, com a definição de estacionamento em 'bolsão' [isto, claro, terá de ter anuência do Poder Público] de modo a amenizar as interferências no tráfego.
Viabilidade – Custos e Especificações Gerais
Para uma melhor avaliação dos custos e viabilidade do empreendimento alguns parâmetros do projeto foram assim resumidos:
Área do Terreno: 1.287.64m2 / Área da Unidade Habitacional: 41.25m2 / Área da Unidade Comercial: 15.75m2 / Área do Pavimento Térreo: 592.20 m2 / Área do Pavimento Tipo: 536.10 m2 / Área de Circulação: 363.45m2 / Área Livre e Comunal: 400.25 m2 / Área de Construção Total: 2200.50 m2 / Área de Calçadas [Público + Privado]: 380.00 m2 Área de Estacionamento [Público + Privado]: 300 m2
Obs.:
1. O custo estimado do terreno é de R$ 65.000,00.
2. O custo final por m2 é de: R$ 536,32.
3. O Custo das Unidades Habitacionais é de R$ 22.123,20.
4. As Unidades Comerciais poderão ser comercializadas pelo preço de mercado diretamente pelo empreendedor; como forma de amortização dos custos ou de sua remuneração.
5. A administração condominial dos painéis publicitários permitirá a amortização dos custos condominiais.