“Quando me refiro à casa penso no lar, rico ou modesto, não importa, no qual a família encontre condições de conforto e um ambiente acolhedor. Penso num ambiente harmonioso, repouso para os nervos desgastados pela agitação da vida moderna. Penso, sobretudo, em um ambiente apropriado para a educação de um criança”
Rino Levi
Hoje, no município de São Paulo, 1,5 milhões de pessoas vivem em assentamentos precários. A dimensão desse número nos revela claramente que construir habitação é uma questão central para a concretização da democracia e da justiça social. Construir habitação digna é proporcionar cidadania e bem estar aos seus habitantes; é desenhar um cotidiano melhor para as nossas cidades.
O terreno escolhido situa-se na Rua Brigadeiro Tobias, centro velho de São Paulo, dispondo de todos os serviços de infra-estrutura e meios de transporte, como estações de metrô, trens metropolitanos e numerosas linhas de ônibus.
O lote está situado em região degradada, mas em gradual processo de transformação em função de iniciativas recentes como: restauro do prédio dos Correios, do complexo da Estação da Luz, do Mercado Municipal e mudanças das sedes de diversos órgãos públicos para edifícios da região.
Seu entorno imediato caracteriza-se pela forte verticalização e pela predominância de edificações mistas (edifícios residenciais com térreo comercial).
Destaca-se a grande quantidade de lotes subutilizados ocupados por estacionamentos e áreas comerciais insalubres.
A modalidade escolhida para financiamento do conjunto foi Carta de Crédito Associativo Recursos FGTS Individual, pois, além das características do terreno se enquadrarem nas previstas nessa modalidade, esse programa atende ao perfil do trabalhador urbano.
Projeto
O conjunto proposto é composto por dois blocos interligados por passarelas sob uma cobertura comum. O programa do projeto prevê: 12 pavimentos de apartamentos, creche para atender tanto aos moradores quanto à comunidade local, área comunitária e praça em dois níveis.
A implantação do edifício visa dar continuidade à malha urbana. Para tanto optou-se por seguir os alinhamentos das construções adjacentes e igualar o gabarito do projeto com o do edifício ao lado. Desse modo estabelece-se diálogo e harmonia entre o novo edifício e seu entorno.
A ocupação periférica do terreno e a disposição perpendicular entre os blocos, favorecem a iluminação e a ventilação dos apartamentos. Essa disposição, juntamente com o desnível existente no terreno, resultou na implantação da praça e da creche localizadas a três metros abaixo da cota da rua. A praça foi concebida como um espaço de encontro, lazer e estar para aos moradores do edifício, para as crianças da creche e para a comunidade local. Uma escadaria situada sob um dos blocos de apartamentos e uma rampa situada no recuo lateral do lote dão acesso à praça e à creche. O projeto da rampa segue as normas de acessibilidade da ABNT.
Ao recuar a edificação paralela à rua e ao manter a cobertura no alinhamento do lote, criou-se uma moldura – um enquadramento da edificação que tem como objetivo estabelecer uma referência visual na Rua Brigadeiro Tobias. Essa configuração garantiu ainda o alargamento da calçada fazendo com que a rua penetre no espaço do conjunto. Os bancos, as jardineiras e a vegetação foram propostos com a intenção de afirmar esse espaço como área de estar e encontro.
Outra característica importante na implantação do conjunto, é a criação de uma nova esquina demarcada por um grande volume branco que redefine a perspectiva da rua.
Priorizando a economia na execução do conjunto, projetou-se um sistema construtivo simples em que a circulação vertical está concentrada em um único núcleo central que atende aos dois blocos de apartamentos. A partir desse núcleo a estrutura de concreto segue um módulo de 4,95m x 5m, o que viabilizou o dimensionamento racional de vãos de portas e janelas.
Devido à boa infra-estrutura de transporte, não incorporamos ao projeto estacionamento de veículos. Este precisaria ser subterrâneo e elevaria muito o custo da obra.
Pavimento tipo
O pavimento tipo é composto por três apartamentos de dois dormitórios e duas quitinetes. Todos os apartamentos são voltados para o interior do lote, pois dessa maneira garante-se vista e boas condições de conforto ambiental, independentemente do que ocorra em seu entorno.
A circulação horizontal é externa, o que proporciona ventilação cruzada nas unidades, economia em iluminação e material de revestimento. A integração visual entre o interior do edifício e o meio externo faz desse espaço uma varanda comunitária, uma área humanizada que possibilita melhor convivência entre os moradores do conjunto.
Unidade habitacional
Optou-se por duas tipologias habitacionais, pois dessa maneira obtém-se maior variedade de perfis de moradores, misturando-se famílias com idosos, estudantes e jovens casais, algo importante para dinâmica do edifício e do centro da cidade como um todo.
A planta da tipologia de dois dormitórios é um retângulo dividido em área íntima e área social. Na área social, uma grande abertura entre a cozinha e a sala integra esses ambientes e enfatiza a cozinha como área de estar.
Na área íntima, foi incorporada ao corredor uma bancada de concreto destinada ao estudo. Acreditamos que ao determinar espaços não improvisados para o aprendizado, afirma-se o compromisso da arquitetura com a educação que é, de fato, importante fator de distribuição de renda e inclusão social.
A quitinete pode ser transformada em apartamento de um dormitório, de acordo com a necessidade do morador.
O último pavimento é uma área designada às atividades comunitárias contendo um salão e uma praça que podem ser utilizados para festas, reuniões de condomínio, cursos e estar.
O projeto do conjunto viabiliza a criação de 62 unidades habitacionais, totalizando 202 novos moradores para a região.
ficha técnica
Autores
hab_3 arquitetos / arquitetos Luís Eduardo Loiola de Menezes e Maria Cristina Motta
Co-autora
Arquiteta Maria Elisa Friedmann
Consultor
Arquiteto Nelson Andrade