Programa de Arrendamento Residencial
Considerações
A cidade de São Paulo não constrói sua expansão urbana pela pressão demográfica sobre o seu antigo triângulo original, formado pelas igrejas São Bento, do Carmo e São Francisco, mas sim pelo preenchimento dos espaços vazios existentes ao longo dos caminhos de ligação entre seus antigos núcleos – hoje bairrros conformados. Esse fato marcará fortemente a fisionomia da cidade e os modos de ocupação de seu território.
Essa característica implica na construção de um tecido urbano rarefeito, polinuclear e de baixa densidade. Em 1994, 73.1% da população da cidade habitava em casas, sendo que nas classes b e c esse número chegava a 87.3 e 65.9% (fonte fundação SEADE). Essa rarefação é agravada por políticas publicas que ao longo do século XX não conseguem conter a expansão periférica que horizontaliza ainda mais as franjas da cidade.
Na segunda metade do século XX o que se assiste é o Brasil agrário se tornar urbano. Em 1940, 28 milhões de pessoas vivem no campo e 13 milhões vivem na cidade. Em 1996, 34 milhões de pessoas vivem no campo e 123 milhões vivem na cidade. (fonte IBGE). Em decorrência, a população da cidade de São Paulo aumenta de 1.337.644 hab. Em 1940 para 10.434.000 hab. Em 2000. (fonte IBGE).
O déficit habitacional na cidade é, em 2001, de 380.000 unidades, entretanto, o número de imóveis fechados na cidade é de 420 000 unidades (fonte SEMPLA). Em face a esses números o que se depreende é que há uma indisfarçável dificuldade na gestão de investimentos que são expressivos na área da habitação e do urbanismo, como demonstra a tabela I.
Embora, se tenha aplicado recursos, na questão da habitação o resultado é pouco expressivo, como se verifica na tabela II.
O número de habitações edificadas pelos vários órgãos governamentais é pouco expressivo se comparados aos montantes investidos pela iniciativa privada, no mesmo período. Embora destinado aos segmentos solváveis da população, construiu na cidade de São Paulo, cerca de 220 mil unidades de moradia, excluindo imóveis para as classes a e b+. (fonte: EMBRAESP).
Nessa situação a política de adensamento habitacional na área central da cidade estabelecida pelo governo é correta e deve ser incentivada. A transformação de edifícios de usos variados e até sem nenhuma utilização em moradia na área central da cidade, assim como a construção sobre terrenos vazios ociosos, permite o adensamento habitacional em áreas infra-estruturadas, em que propicia uma economia real para o morador, já que diminui significativamente seu dispêndio em transporte. Trata-se também de política urbana consistente, visto produzir um aumento da ocupação dessas áreas, principalmente no horário noturno, aumentando a atividade do comércio local e requalificando esses espaços em face de uma utilização mais constante e equilibrada.
A política de casa própria praticada pelos vários governos no Brasil, não produz como vimos acima, um resultado expressivo no sentido da diminuição do déficit nacional estabelecido em cerca de 6 milhões de unidades. Portanto, acreditamos que através de uma política de aluguel de unidades de moradia, com valor inicial da taxa de arrendamento do imóvel estabelecido um valor próximo de 0,7% do valor de aquisição do imóvel, como proposto pelo par, com ou sem direito de compra ao final do período, seja uma das modalidades de financiamento imobiliário que auxiliará o país a enfrentar a questão do déficit habitacional. O governo deverá sustentar e apoiar claramente uma política de garantia ao direito da moradia e não uma política de direito a propriedade da moradia.
Assim, desenvolvemos uma perspectiva de financiamento amparada no par-programa de arrendamento residencial - aquisição e produção de empreendimento / arrendamento residencial da caixa econômica federal.
É uma operação prioritariamente concentrada nos grandes centros urbanos, para arrendamento residencial, com opção de compra ao final do prazo contratado. A renda estabelecida para o atendimento desse programa é de 6 salários mínimos, que poderão ser elevados para uma parcela não superior a 49% das unidades disponíveis no empreendimento.
O programa de arrendamento residencial se estabelece em duas fases distintas:
- aquisição e produção de empreendimento - contempla a aquisição de imóveis a serem construídos, em construção ou a serem recuperados. Para o município de São Paulo o valor máximo de aquisição da unidade é de R$ 28.000.00.
- arrendamento das unidades habitacionais – após a conclusão do empreendimento, as unidades são arrendadas às famílias que atendem aos requisitos de enquadramento no programa, estabelecidos no edital da Caixa Econômica Federal para essa modalidade.
Questão fulcral desse processo é o entendimento e desenvolvimento de novas tipologias de moradia que contemplem os novos arranjos de família que os tempos que vivemos propõem. Pesquisas demonstram com clareza que os grupos de pessoas organizadas em famílias, receberam modificações significativas nesses últimos 30 anos, o que incentiva e obriga novos arranjos espaciais que melhor atendam essas ocorrências. Segundo pesquisa desenvolvida pelo núcleo de estudos sobre habitação e modos de vida da universidade de São Paulo, os principais grupos domésticos estão também representados: a família nuclear é majoritária (60,64%, bastante próximos do total nacional de 55,80%), seguida de casais sem filhos (12,98%), coabitação de pessoas sem vínculo conjugal e parentesco (11,49%), pessoas vivendo sós (10,85%) e famílias monoparentais (4,04%).
O projeto de arquitetura que desenvolvemos pretende estabelecer algumas possibilidades que absorvam com mais eficiência esses grupos domésticos, favorecendo o aumento da qualidade de vida do usuário através de um espaço de moradia que, pela versatilidade, possa, dentro de custos compatíveis, oferecer espaços para abrigar os diversos agrupamentos familiares.
Lugar
Em área central, o terreno da rua brigadeiro tobias se apresenta envolto por espaço construído consolidado. Dotado das infra-estruturas básicas e conectado por rede de transporte que lhe garante boa acessibilidade.
A existência de imóveis ociosos nesse entorno, assim como de solos privados ainda não ocupados, reflete o processo de migração dos interesses especulativos para outras vertentes da cidade.
O foco mutante dessa dinâmica de ocupação, ao deixar vazios e não otimizar o acervo construído, contribui para a obsolescência da cidade existente – o uso é modo de manter a vitalidade das estruturas urbanas.
Habitar a área central, mais que uma forma de ocupar vazios, é a possibilidade de estreitar as relações entre moradia e as atividades de produção, consumo, informação, entretenimento e diversão que o centro já congrega.
O terreno, de forma aquadradada, em declive e encravado no meio da quadra, o lote tem à esquerda um edifício de 14 pavimentos que lhe faz divisa com paredes cegas. À direita, um edifício baixo, adaptado a estacionamento, conclui a esquina da quadra.
O local permite que, através da operação urbana centro, se possa aplicar um coeficiente de aproveitamento de até 6 vezes a área do terreno. Também libera os recuos básicos e ignora os gabaritos de altura, desde que se tenham garantidas as condições mínimas de salubridade.
Edifício
Propomos um edifício composto por duas lâminas de 14 pavimentos articuladas em “l”, ligadas pela circulação vertical, que realiza o contraventamento do conjunto.
A primeira lâmina se alinhava ao tecido da rua e, respeitando o mesmo gabarito de altura do edifício vizinho, se propõe harmonizar com seu entorno construído. No térreo, módulos comerciais fortalecem a multiplicidade de uso e contribuem para abater o rateio da manutenção condominial dentro de um seguimento social não habituado a esse tipo de custo.
A segunda lâmina, contra as empenas cegas do edifício vizinho, favorece a construção da praça interna, um espaço vazio generoso e densamente arborizado. Respeitando o desnível do terreno, no pavimento inferior, assume o papel congregador da convivência dos moradores.
O térreo da segunda lâmina se comunica pela ponte de ligação à caixa de circulação vertical e conseqüentemente à rua. Nesse pavimento estão a unidade de habitação do zelador e o salão múltiplo-uso, destinado a jogos e reuniões comunitárias.
Da ponte de ligação, uma escada aberta e solta se comunica com o pavimento inferior, que abriga uma creche condominial.
Juntamente com a praça interna, essa creche condominial constitui o núcleo das atividades comunitárias, ajudando a construir uma vivência, nem sempre ativa no “modus vivendi” dessa população.
Através da praça interna protegida por massa densa de vegetação, da creche condominial e do salão múltiplo-uso, se busca, pela convivência confortável e generosa, a sociabilização desses moradores.
Unidades
Os perfis reais de demanda de moradia na região central da cidade podem e devem ser incluídos no par. Propomos tipologias diversas de moradia: quitinetes de 28,00 m², unidades de 1 dormitório de 39,35 m² e unidades de 2 dormitórios de 50,70 m².
As unidades, dispostas modularmente nas duas lâminas, se intercalam e se repetem em todos os 14 pavimentos e integram os diversos usuários, sem segregá-los por perfil familiar. Com 7 unidades por pavimento, perfazem um total de 98 apartamentos, excluindo o do zelador, no térreo.
As circulações de acesso às unidades, laterais ao sentido longitudinal das lâminas, são ventiladas e protegidas por fechamento em malha de ferro galvanizado. Esse fechamento, estruturado por montantes verticais fixados às lajes em balanço, filtra a luz e permeia perspectivas visuais.
Os conjuntos hidráulicos das habitações se concentram ao longo das circulações de acesso e por elas são ventilados. As redes hidráulicas, através do rebaixo do forro em gesso, se distribuem e se conduzem nas prumadas dos dutos verticais junto ao box dos banheiros.
As cozinhas se integram às zonas de jantar e estar das unidades que tem, em todas as suas tipologias, uma pequena varanda. Os caixilhos, modulados e repetidos, tanto nos dormitórios quanto na sala de estar, são protegidos por retrações do fechamento externo que cria e potencializa espaços de armário.
Os banheiros das unidades podem, sempre que necessário, ser adequados ao uso de portadores de deficiências físicas. Sem limitar, confinar ou pré-estabelecer unidades específicas para esse universo real de usuários, a ocupação se torna mais variada e democrática.
Estruturas
A estruturação das lâminas se dará por sistema de três vigas longitudinais, com vãos típicos de 7,10m entre pilares que dividem o edifício em três faixas: uma frontal, para as áreas de convívio e permanência, uma central, para os conjuntos hidráulicos e uma em balanço, onde ocorrem as circulações de acesso aos apartamentos.
Os pilares em ritmo estrutural de 7,10m, compõem com vigas de interligação, pórticos que garantem estabilidade das lâminas no sentido transversal.
A ortogonalidade dessas lâminas permite que cada uma garanta à outra estabilidade no sentido longitudinal (tabular). A interligação entre elas se completa pelo bloco de circulação vertical, que funciona como “pedra de fecho” na armação do sistema.
ficha técnica
Autores
Arquitetos Renato Dal Pian e Lilian Dal Pian
Colaboradores
Arquitetos Pablo Chakur, Fernanda Ferreira e Carolina Pons Esparò
Consultores
Arquiteto Antonio Cláudio Fonseca
Engenheira Heloisa Maringoni