Conjunto Cônego Vicente M. Marino
“Se o mercado de trabalho relega parte da população à pobreza, o mercado imobiliário nega ao pobres a possibilidade de habitar no mesmo espaço que moram os que podem pagar. Surge uma demanda economicamente inviável, mas socialmente inegável . Desta contradição se origina a habitação social”
Paul Singer
O argumento
A perspectiva de ensaiar outras possibilidades e formas de habitação social é o ponto de partida deste trabalho.
Não se pode dissociar da reflexão sobre questão da habitação a reflexão sobre a questão da cidade, pois ambas são a mesma questão. O programa da habitação não se reduz às atividades cotidianas de caráter privado, mas prevê todas as demais funções de caráter coletivo como suas extensões. A cidade é também ponto de partida deste ensaio.
Como propor em dois lugares com características diversas, mas vinculados à área central, um único sistema (ou conceito) de configuração de espaços habitáveis que resegnifiquem o espaço urbano no qual se inserem? Não se trata de um protótipo a ser aplicado serial e repetidamente em diferentes espaços, mas uma estratégia construtiva nítida que seja capaz de viabilizar e organizar estruturas habitacionais urbanas sempre considerando o âmbito do lugar.
O sistema
A obra tem – após a execução de infra-estrutura - basicamente duas ações fundamentais: a execução da Praça – estrutura de concreto que admite a pré-fabricação - e a montagem do Núcleo Servidor - a estrutura metálica aplicada na primeira estrutura.
Cada praça descansa sobre quatro apoios de modo independente. As vigas peitoris de 1.20m de altura, que estabelecem o travamento da estrutura, definem as aberturas das unidades. Complementado esta ação construtiva, as divisórias são executadas em argamassa armada, fechando os vãos definidos pelas vigas e em alvenaria de bloco de concreto para as divisões entre as unidades [cada unidade com outra compartilha uma única praça]. A execução da praça admite a pré-fabricação completa no caso de edifícios com poucos pavimento.
Entremeando as estruturas em concreto, os componentes hidráulicos – cozinha e banheiro – e escadas de circulação vertical, são elementos metálicos aplicados que podem ser usinados e montados e simplesmente aplicados na obra. O fechamento destes núcleos, tanto externamente como internamente, são realizados por vidros serigrafados brancos que permitem iluminar os espaços úmidos como o núcleo central da escada. Evitam-se desta forma as pequenas aberturas típicas, além de destacar o volume diferenciado. As características deste material permitem além da redução de custos e segurança (associada a um guarda corpo interno), a impossibilidade de divisar o interior do ambiente, ,mas permitir que a luz inunde o espaço iluminando os vazios como lanternas.
A unidade
Uma única peça, um espaço versátil, com medidas 3.15 x 9m [meia praça], constituí os ambientes de permanência prolongada – estar e dormitório.
A dupla orientação permite a ventilação cruzada e visuais de interesse.O pano de fechamento único constituído por vidro temperado sem caixilho, evita mais uma vez a escala diminuta típica destes pormenores.
O piso da unidade é a própria laje nível zero sem a necessidade da execução do contrapiso para regularização, que proporciona a aplicação de acabamento diretamente sobre a laje.
Os dois componentes hidráulicos – cozinha e banheiro – sempre se relacionam com o espaço nas suas extremidades definindo seus usos. Pode-se admitir também o espaço único, livre e contínuo, enfatizando sua característica principal.
As tipologias são definidas a partir da variação da unidade básica pela inclusão de outro modulo compartilhado – no caso das unidades com dois dormitórios – e com a concentração dos componentes hidráulicos num único bloco – no caso da quitinete – com a redução da área útil da unidade em função da presença da varanda de circulação, prevista somente nesta tipologia.
O edifício
O edifício é constituído pela associação das estruturas de concreto – as praças – e os núcleos metálicos intercalados. Conseqüentemente as prumadas de circulações verticais ocorrem serialmente servindo duas unidades por pavimento e oito unidades por prumada. O que sugere aparentemente um exagero, na verdade representa uma economia de área, além de representar um maior conforto ao morador e evitar que a extensa circulação horizontal devasse a unidade ou impeça a ventilação cruzada ou, ainda, a possibilidade de vistas em ambas faces da edificação.
Circulação horizontal habitual [1.5x100=150 m2] com duas escadas [2x15=30m2] ocupam 180m2 por pavimento ou 720 m2
Circulação vertical para cada 8 unidades [9x15=135m2] ocupa 540 m2, o que representa uma redução de 25% de área de circulação em relação a tradicional solução avarandada.
No caso de edificações verticais altas a escada é mantida considerando que os elevadores param em andares alternados com varandas de circulação – pavimentos com quitinetes. Desta forma – em ambos casos - as escadas caracterizam-se não apenas como escadas de acesso, mas também de espaços de relacionamento de vizinhança.
A implantação
As Unidades Habitacionais e o Centro de Capacitação estão organizados em três blocos orientado pelas ruas. O bloco junto a testada da rua Cônego abriga todas as unidades com dois dormitórios. Junto a rua Cruzeiro o bloco abriga tanto unidades de um dormitório como quitinetes. Ambos blocos com 4 pavimentos, oferecem o espaço do térreo para eventual estacionamento de veículos.
Junto a linha férrea implantou-se uma nova rua ligando a Rua dos Americanos e a rua Luigi Grecco e liberando definitivamente a praça Nicolau de Morais, dissociando-a fisicamente do conjunto. Esta rua situa-se na área non edificandi junto a linha do trem e, além de garantir um afastamento recomendado das unidades, gera uma terceira fachada ao conjunto. Nesta nova testada situa-se o bloco maior com quatro pavimentos, sendo o térreo ocupado necessariamente com Unidades Habitacionais. Este térreo elevado esta implantado sobre uma laje situada +1.375m sobre o nível da rua, assegurando a privacidade destas unidades mais próximas do chão, além de abrigar, em toda sua extensão, a escola e os espaços de sua futura ampliação.
Os três blocos organizados desta forma definem um espaço interno, uma praça para a qual se abrem os ambientes de estar de todas as unidades conferindo qualidades similares a todos moradores do conjunto. Esta praça interna é aberta, pública, como a cidade que perpassa e oferece novas possibilidades de percurso e desfrute dos espaços. Mas seu uso cotidiano deverá garantir fundamentalmente o usufruto dos moradores, seja fisicamente ou visualmente.
Um movimento de terra constrói uma topografia que organiza os espaços comuns: um jardim na cota da rua e uma praça seca rebaixada 1.375m no nível da escola situada sob o térreo do bloco maior. Os espaços públicos da praça invadem o espaço sob as unidades como possíveis garagens onde se estende o piso asfáltico, eliminando o passeio, mas definindo os limites de circulação dos pedestres e veículos por meio de uma grelha de captação de águas pluviais.
A escola ,que se abre para a praça interna e para a rua, é organizada em dois blocos separados por um espaço de acolhimento onde se situa o café. O auditório e sanitários podem ser utilizados independentemente, inclusive de forma organizada pelos moradores. Os espaços didáticos que oferecem visualmente suas atividades a praça, reforçando a idéia de convivência adequada deste equipamento, sugerem a ampliação da escola no sentido oposto ao do auditório.
Duzentas e quarenta unidades, três blocos, uma praça, circulação pública, novas formas de gestão associativa dos espaços comuns, uma estratégia construtiva, procuram responder “uma demanda economicamente inviável, mas socialmente inegável.” Esta posposta procura superar, apesar de seus limites, a primeira afirmação, para coadunar-se a sua consideração final.
ficha técnica
Equipe
Alvaro Puntoni, Jonathan Davies, João Clark Sodré
Arquitetura
Juliana Braga
Estrutura / Orçamento
Mauro Rodrigues Pinto