Conjunto Assembléia "Queremos cidades nas quais possamos novamente morar (...), não apenas com segurança e em boa saúde, mas também felizes"
Bruno Taut, 1919
A carência habitacional no município, da ordem de 400 mil unidades, representa moradia para cerca de 1,5 milhões de pessoas. Aqui fica evidente que construir habitação é construir cidade. A falta de recursos reforça esse compromisso: é preciso acertar sempre. No centro ou nas regiões periféricas, os projetos de habitação devem ter o compromisso de desenhar (ou redesenhar) uma cidade digna.
As habitações construídas, para além de unidades computáveis, precisam urbanizar, consolidar espaços públicos, desenhar ruas, prever relações como comércio, serviços, indústria. Os projetos habitacionais têm papel central no processo de democratização da cidade. Esses são, indubitavelmente, os pressupostos que este projeto pretende afirmar.
A implantação do conjunto reforça a geografia do Vale do Itororó ao estabelecer um gabarito de transição entre os edifícios existentes e a Av. 23 de Maio. A construção de dez pavimentos (mais térreo) define uma escala adequada ao edifício implantado na encosta.
O projeto busca conferir unidade à quadra, torná-la permeável e criar espaços livres de qualidade, potencializando as virtudes urbanas dessa privilegiada região da cidade. Viabilizaram-se 160 unidades habitacionais (ou uma opção de 156 unidades e comércio na praça de acesso), estacionamento e o futuro edifício anexo da Secretaria dos Negócios Jurídicos, sem abrir mão de um efetivo incremento na qualidade urbana desse local, costura que envolve tanto as ruas do entorno como as próprias áreas livres geradas dentro do terreno.
Rompendo a impressão de um único volume, uma fresta revela dois blocos, cuja orientação faz com que sempre sejam vistos em faces opostas, estabelecendo certa tensão entre blocos idênticos. Essa inversão é importante para o desenho do interior da quadra, ao mesmo tempo em que equilibra a extensão da circulação horizontal. Os dois espaços livres gerados se estruturam a partir de relações de continuidade com as vias do entorno, possibilitam novos percursos e são amparados por programas complementares.
A proximidade da Igreja de São Gonçalo, um dos poucos exemplares remanescentes da arquitetura religiosa colonial na cidade, na esquina da rua Rodrigo Silva, reforçou a necessidade de valorização dessa via através de uma pequena praça.
Seus contornos são definidos por comércio e pelo acesso do novo edifício da Secretaria de Negócios Jurídicos, sugerindo uma expansão de atividades diurnas e noturnas. Esse novo edifício transforma a atual empena cega da divisa num volume estreito e cristalino, costura desejável à cidade e que pode ser viabilizada pela Operação Urbana Centro. A cota elevada da praça e a fresta do edifício de habitação valorizam a vista sobre o vale.
O espaço livre se desenvolve linearmente na cota inferior, como uma ruela de ligação entre a rua da Assembléia e o viaduto Dona Paulina. Ao longo desse passeio, espaço resguardado do ritmo da área central, acomodou-se um amplo salão para festas e reuniões, além de uma creche.
Alguns elementos reforçam a vocação deste espaço como lugar de lazer e estar: um piso de madeira, um alinhamento de ipês-amarelos e um banco que acompanha a área arborizada. Essa solução dispensou a necessidade de laje impermeabilizada sobre a área de circulação do estacionamento, tratada como piso drenante. O estacionamento para os funcionários da Secretaria de Negócios Jurídicos, parcialmente em subsolo, comporta acessos independentes para a entrada e saída de veículos, possibilitando uma perfeita acomodação à intricada malha viária do entorno. Um pequeno túnel poderá conectar o estacionamento diretamente aos elevadores do edifício da SNJ. As 35 vagas já serão suficientes para a Secretaria, após a construção, de acordo com as exigências da lei, considerando a área do edifício projetado de aproximadamente 3.200 m².
O limite de 10 pavimentos para conter todo o programa levou em consideração as restrições técnicas e legais que incidem sobre edifícios mais altos e onerariam consideravelmente os custos da construção. Assim, viabilizou-se um sistema construtivo simples e econômico: paredes de alvenaria estrutural de blocos de concreto, espaçados a cada 2.80 m e uma parede de travamento no sentido transversal a cada dois módulos, o que resultou em uma malha estrutural de paredes em "H". Foram utilizadas lajes-treliça de concreto de 12 cm de espessura, cujo balanço é suficiente para conter a varanda de circulação sem vigas perimetrais. O sistema de circulação vertical, item imperativo nos custos, foi tratado também de forma econômica: dois elevadores e escada de segurança num núcleo central distribuem o fluxo a cada pavimento em varandas de circulação horizontal. As duas lâminas possuem outras escadas para cumprir a distância máxima exigida pela legislação, a partir de cada apartamento. A ligação entre os blocos, com pontes abertas, descortina uma vista marcante do centro da cidade. A largura dessa varanda, somada às escadas metálicas abertas, potencializa a convivência entre os moradores.
Optou-se por privilegiar a insolação e vistas amplas para as unidades, uma vez que o nível de ruído pode ser atenuado através de um conjunto de soluções bastante simples. A fachada, com armários de 1,35 m de altura, funciona como isolante acústico e permite o recuo do alinhamento dos caixilhos. Painéis de fibras plásticas evitam a reverberação do som nos beirais, minimizando a passagem de ruído pelos vidros. Os caixilhos são todos basculantes para aumentar o grau de vedação. São recursos que devem atenuar o nível de ruído em cerca de 10dB, garantindo uma condição de conforto acústico bastante satisfatória - preocupação específica em relação à lâmina voltada para a Av. 23 de Maio.
As salas de todas as unidades possuem, além dos caixilhos da fachada principal, um alinhamento de caixilhos acima da altura da porta, voltado para a circulação, o que garante ventilação cruzada aos apartamentos. As áreas de serviço (cozinha, sanitário e lavanderia) são iluminadas e ventiladas também pelos caixilhos altos ao longo das varandas de circulação. Uma pequena janela na cozinha põe em comunicação com o exterior uma atividade tão doméstica e agregadora.
A implantação do conjunto considerou as árvores existentes no local, no sentido de evitar ao máximo suas remoções. Para o aproveitamento adequado do potencial do terreno, será necessário o transplante de cinco árvores da espécie Lingustrum japonicum, que se mostram totalmente tolerantes ao transplante, mesmo sem o preparo técnico (sangria) antecipado. Além dos Lingustrum temos uma Bombacaceae de porte médio, que pode ser transplantada sem problemas, desde que o procedimento de sangria seja feito com sessenta dias de antecedência. O maciço de árvores, na face do terreno voltada à Av. 23 de Maio, será ampliado com o plantio de outras unidades, o que contribui para a redução desejada dos ruídos provenientes da avenida.
ficha técnica
Arquitetura
Una Arquitetos
Arquitetos
Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara, Fernando Viégas, Ana Paula de Castro, Apoena Amaral e Almeida, Jimmy Liendo, José Carlos Silveira, José Paulo Gouvêa, Ricardo Barbosa Vicente e Sabrina Lapyda
Estrutura
Heloísa Maringoni
Consultoria em acústica
Alexandre Sresnewski
Consultoria em paisagismo
Ricardo Vianna
Planilhas
Aluísio Leite
Modelo eletrônico
Clóvis Cunha
Fotografia
Bebete Viégas