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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
O artigo aborda o papel da memória na construção da identidade dos territórios, em uma narrativa que relaciona experiências particulares a elementos cartográficos de registro, tendo como subsídio conceitos de determinados autores.

english
The article addresses the role of memory in the construction of the identity of territories, in a narrative that relates particular experiences to cartographic elements of record, having concepts of certain authors as a subsidy.

español
El artículo aborda el papel de la memoria en la construcción de la identidad de los territorios, en una narrativa que relaciona experiencias particulares con elementos cartográficos de registro, utilizando como subsidio conceptos de ciertos autores.


how to quote

CYPRIANO, Altimar; LUZ, Vera Santana. Considerações sobre memória, lugar e identidade a partir de reminiscências do Tatuapé e Jardim Têxtil. Arquitextos, São Paulo, ano 22, n. 259.08, Vitruvius, dez. 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/22.259/8464>.

Casario operário do início do século 20 no bairro da Mooca SP
Foto Gaf.arq, 8 nov. 2008 [Wikimedia Commons]

Território, paisagem e identidade: preâmbulo em forma de reminiscências

Na infância, os limites territoriais que nos foram impostos e que eram estritamente demarcados por elementos como a escola, o córrego, a igreja, a avenida principal ou a via férrea — que, por segurança, raramente podia ser transposta —, eram sensivelmente ampliados na pré-adolescência, menos por indulgência dos adultos do que pela nossa audácia. Esses limites, que por cuidado ou interesse eram estabelecidos de forma imprecisa, também eram diária, ingênua e silenciosamente expandidos, ou conquistados.

O espaço conquistado — a rua, local de brincar — era, portanto, lugar de encontrar, congregar, lugar de ser. Esse território, que nos pertencia e do qual éramos parte, configurava um cenário típico dos subúrbios paulistanos do final da década de 1960 e característico da Zona Leste da cidade de São Paulo. Neste território, descendentes de imigrantes de diferentes partes do mundo compartilhavam experiências diversas, e se amalgamavam congregando sentimentos que os reunia, apesar das diferenças dos seus sotaques, crenças e cores. O cotidiano os mantinha alheios à disputa entre os bairros centrais e as periferias das grandes cidades, provocada pela segregação social e espacial hoje amplamente discutida. Não havia medo ou estranhamento nas diferenças, e sim um profundo sentimento de confiança e esperança, de amizade e convergência de interesses, reafirmando a “proteção coletiva” que fortalece as pessoas com menos recursos a que Zigmund Bauman se refere. O autor parte do pressuposto que a cidade socialdemocrata, que se consolida após a segunda Grande Guerra, submete o tecido social a “intensas pressões” que potencializam as diferenças entre ricos e pobres, e que para as pessoas com poucos recursos econômicos a proteção só pode ser coletiva (1).

Eu vivia com meus pais e meus dois irmãos no bairro da Quarta Parada, distrito do Belém, Subprefeitura da Mooca, enquanto meus avós paternos moravam no bairro Vila Santa Isabel, distrito de Carrão, Subprefeitura de Aricanduva, distante aproximadamente uns oito quilômetros da minha casa. Na pré-adolescência, totalmente desvencilhado dos limites impostos pelos adultos, eu experimentava longos passeios de bicicleta que consumiam praticamente todo o final de semana e, muitas vezes solitariamente, percorria com a minha bicicleta Monark alemã herdada de uma prima, um itinerário que ligava minha casa à casa dos meus avós. Este percurso constituí como um eixo afetivo — uma ponte, para mim repleta de significados e sentimentos — que tinha como ponto de parada estratégico a casa de uma tia, irmã do meu pai, que invariavelmente me oferecia uma generosa fatia de bolo ou de pudim de limão.

Reconstruindo essa paisagem suburbana então comum nos bairros periféricos e operários de São Paulo, encontro alguma semelhança com aquela que Joseph Rykwert (2), faz dos subúrbios de sua Varsóvia: estas são geralmente dominadas por grandes indústrias, que se completam por conjuntos de pequenas casas térreas entremeadas por sobradinhos geminados, pequenos galpões e, de quando em vez, um pequeno prédio de quatro ou cinco andares, além das escolas, igrejas, e tudo o mais.

Minha viagem em duas rodas se iniciava bem na esquina formada pela pequena rua Irmã Úrsula com a rua Tobias Barreto, uma das principais do bairro, na época generosamente arborizada e com seu leito carroçável em paralelepípedos. Seguia para leste e alcançava o grande edifício das Indústrias Santista, marco referencial hoje ocupado pelo Sesc Belenzinho; descendo por essa via alcançava a rua Padre Adelino, então ocupada por diversas casas assobradadas posteriormente desapropriadas para acomodar o crescimento da cidade, que deram lugar inicialmente à avenida Radial Leste e à Linha Vermelha do Metrô e, posteriormente, à adequação dos acessos à avenida Salim Farah Maluf. Cruzava o córrego Tatuapé, atualmente canalizado e tamponado; este córrego, ainda que apresentasse algumas características originais, já demonstrava sinais de maus-tratos a que os cursos d’água das nossas cidades têm sido submetidos. Sobre ele está hoje a avenida Salim Farah Maluf. Começava uma longa subida e, chegava no topo da colina, onde está a praça Silvio Romero; pela rua Tuiuti sigo em uma rota ainda ascendente e chego ao primeiro destino, a casa de minha tia, localizada na rua Azevedo Soares. Até ali já teria percorrido mais de três quilômetros. A casa ficava em um lote relativamente grande, contando com duas construções independentes, porém sem separações físicas, como muros ou gradis; eram construídas com generosos recuos frontal e posterior; neste quintal, aos fundos, durante muito tempo havia uma horta, assim como no quintal da minha casa.

O final do meu itinerário era na verdade um reinício, já que ali eu não parava, pois nesse período meus avós não moravam ali; me contentava em avistar a casa, passava por ela e seguia em frente. Geralmente, no meu retorno, passava por outro córrego, o Rapadura, que apresentava uma condição relativamente melhor do que o Tatuapé e percebia a presença da grande indústria têxtil ali instalada que deu nome ao bairro.

A paisagem desse trajeto afetivo que construí — o qual percorro mentalmente em imagens seriais —, se constitui em uma ponte fictícia e invisível. À maneira de Rykwert (3), tento tecer associações entre a memória e as imagens atuais para, num esforço permanente, recompor a paisagem onírica da adolescência. Refaço na memória o trajeto, e sinto profundamente o quanto a transformação da paisagem foi, no meu entendimento, prejudicada, não por sofrer os inexoráveis efeitos da urbanização, mas por não ter sido protegida por quem tinha não apenas o poder, mas o dever de fazê-lo. Este artigo apresenta considerações sobre o enfrentamento de aspectos territoriais relativos à hipótese de aniquilamento da paisagem, resultados desse processo de urbanização.

Mapa do eixo afetivo, com percurso feito de bicicleta
Elaboração dos autores a partir de dados do Geosampa, 1988

Individualmente não possuímos força para impedir as mudanças impostas pelas engrenagens invisíveis do crescimento urbano mas, como grupo de cidadãos, podemos proteger elementos potentes ao nos identificar com o lugar e nos conectar com o mundo. A lembrança resgatada dessas cenas urbanas da adolescência me permite selecionar e escolher esse trajeto com todas as suas características (4).

A noção de território, que eu e meus amigos de infância tínhamos, estava bem próxima àquela estabelecida por Ferenc Molnár (5) em Os meninos da rua Paulo, de tal maneira que “atravessar” o nosso território, ou “passar” por nossa rua era “permitido” a todos, desde que por nós “autorizado”. Ainda que se tratasse de relações sociais experimentadas no âmbito pueril e doméstico e da forte ligação com o lugar, obviamente ainda não tínhamos desenvolvido a consciência política de coletividade. Não obstante, nosso conceito de território, e da sua utilização e destino, fez com que seja possível induzir alguma semelhança ao preconizado por Milton Santos, de que território é o “lugar em que desembocam todas as ações, paixões, poderes, forças e fraquezas, onde a história do homem se realiza a partir das manifestações da sua existência” (6).

Para nós, esse conceito de território e até mesmo o de lugar, não nos atingia enquanto conceito em si; atualmente entendo que essa condição difusa não nos preocupava, dado que sequer havia rudimentos para sua compreensão — mas a relação se dava, concretamente.

As aproximações e distanciamentos de significados e representações podem ser relativizados, visto que, na essência, esses conceitos de território e lugar se amalgamam, se ampliam ou se reduzem e por vezes se atravessam — de acordo com Santos, necessitam sistematicamente de análise e de revisão (7). Segundo Santos (8), o que “o território tem de permanente é ser o nosso quadro de vida”, sendo que a noção de território deve “superar o dualismo social-espacial” (9) presente no discurso das ciências sociais que, simultaneamente, admite o território como componente intrínseco dos processos sociais, “onde os processos se realizam concretamente, onde se faz a história” (10).

Quando nos aventurávamos em "expedições" que iam até a via férrea ou ao córrego do Tatuapé, estávamos a desbravar o desconhecido; sentíamos uma sensação de liberdade e, ao mesmo tempo, de conquista, de ampliação do nosso território, muito embora nos sentíssemos totalmente donos apenas da nossa rua. Como enuncia Yi Fu Tuan (11), ao delimitar o território topofílico na pequena escala: “o homem moderno conquistou a distância, mas não o tempo. Durante a sua vida, o homem agora, como no passado, somente pode estabelecer raízes profundas em uma pequena parte do mundo”.

No intervalo entre a ampliação dos limites mais próximos de casa e a realização das minhas viagens solitárias de bicicleta, entrei numa espécie de transformação, passei a ser como um elemento que, de certa forma, se encontra na intersecção de conjuntos; fui naturalmente ampliando meus domínios territoriais, me apropriando perceptivamente desses novos lugares que delimitei. Mais próximo da minha casa, o córrego Tatuapé ainda apresentava às suas margens rudimentos de mata ciliar e, ao longo das suas várzeas, pequenas propriedades que produziam hortaliças. A sul da rua Padre Adelino, onde se cruzava o córrego por uma ponte de concreto bem sólida, existia dois campos de futebol, utilizados por times da prefeitura, da guarda-civil e por outros times locais, de bairros vizinhos como Água Rasa e Tatuapé. Na época das chuvas de verão, não raramente esses campos de futebol ficavam encharcados e, vez por outra, as partidas eram impossibilitadas de se realizar —essas áreas lindeiras ao córrego estão entre as cotas 730 e 740 e são terrenos relativamente enxutos; mas, comumente, nessas áreas não havia inundações (12).

Jardim Têxtil e córrego Rapadura, 1955
Elaboração dos autores a partir de dados do Geosampa

Zona Leste como origem e destino reiterado

A geomorfologia das várzeas da bacia de São Paulo, conforme nomeou Aziz Nacib Ab’Saber (13), foram propensas à intensa instalação de sistemas técnicos infraestruturais — primeiramente as ferrovias, sucedidas pelas rodovias —, cujas condicionantes conduziram a urbanização destes territórios (14). Por meio de expressiva alteração, retificou-se e inverteu-se o curso de rios para controle de drenagem e produção de energia elétrica. As terras conquistadas, no caso da Zona Leste, tiveram sua apropriação para zonas industriais e de habitação da classe operária, articuladas à ferrovia, contemplando a disponibilidade de água e acesso a terrenos baratos. A prevalência dos processos produtivos interferiu na paisagem hídrica de modo a afastá-la do uso ou desfrute cotidiano. Conformou-se territorialmente uma cidade dual, cuja relação centro-periferia condicionou, a partir do sistema de produção, a estratificação socioespacial em uma urbanização espraiada (15).

As transformações na paisagem urbana da região da Zona Leste, nas décadas de 1970 e 1980, foram muito significativas: abertura e ampliação de avenidas, construção de pontes e viadutos, linha do metrô, entre outras; observar essas obras era, para mim, um passatempo agradável e intrigante, mas ainda não havia qualquer intuição da correspondência desse processo de transformação com o arcabouço construído da Zona Leste, ou mesmo de quase toda a cidade de São Paulo. Entre outras, essas questões urbanas me motivaram a ingressar no curso de arquitetura e urbanismo no início dos anos 1980. Até aquele momento, nas minhas idas ao centro da cidade, me ocupava em, como espectador, eleger um edifício entre todos os que participavam da paisagem, procurando características que o destacassem dos demais, sem suspeitar que, a esta paisagem mais densificada, estavam vinculadas questões e relações sociais e econômicas que explicavam o efeito do crescimento e progresso da cidade. Anos mais tarde, a estruturação teórica confirmou, para mim, o que Henri Lefebvre (16) enunciou fundamentalmente como direito à cidade, perante o conflito do solo urbano entre valor de uso e valor de troca, onde, no sistema capitalista a cidade se comporta como uma mercadoria qualquer. Para Lefebvre, o "mundo da mercadoria tem sua lógica imanente, a do dinheiro e do valor de troca generalizado sem limites, uma tal forma, a da troca e da equivalência, só exprime indiferença diante da forma urbana" (17).

Jardim Têxtil e córrego Rapadura, 2001
Elaboração dos autores a partir de dados do Geosampa

Mais recentemente, por volta dos anos 2000, autores apontam para reestruturação da Zona Leste a partir da desindustrialização de São Paulo e nova ordem do terciário avançado. Em contraste à prevalência de imagem global imposta pelo capital nos setores Sudoeste, tradicionalmente apropriados pelas classes dominantes, na Zona Leste observa-se núcleos de verticalização com predominância de habitações de classe média e inserção de grandes equipamentos de comércio, como shopping centers — compreendendo público de extratos populares, ou universitários, por exemplo. Neste novo padrão de segregação socioespacial (18), os extratos mais desfavorecidos são deslocados para áreas extremas periféricas, se impondo a recorrência do valor de localização (19), pela articulação combinada do investimento imobiliário e estatal.

Considerando o processo de crescimento da cidade vinculado ao apagamento dos rios como elementos naturais da paisagem urbana, este texto, como um quadro introdutório, considera “a narrativa como estratégia de pesquisa e de formação do(a) pesquisador(a)” (20), para estudo subsequente, em que nos debruçaremos sobre recortes da bacia do Aricanduva como estudo de caso. Buscar-se-á demonstrar sua correspondência com a perspectiva histórica em tratar a Zona Leste como território predominantemente industrial e de moradia operária, cujo modelo urbano se pautou pela estruturação de tecidos a serviço da produção e distribuição mediante instalações fabris, arregimentação de mão de obra nas proximidades e eixos de fluxo, em detrimento de qualificação espacial e ambiental. A reestruturação recente, contudo, não altera esta relação entre urbano e natural. A organização socioterritorial, em recorrência, se revela na forma urbana, reduzida aos preceitos do valor de troca, cujos conteúdos de memória individual, coletiva e constituição de identidade e pertencimento são comprometidos. A ocupação do território foi comprimindo os cursos d’água, chegando, em diversos casos, até a total supressão da paisagem hídrica. Com respeito à nossa área de interesse imediato, é observável o crescimento do tecido urbano sobre a várzea do córrego Rapadura, respectivamente na sucessão de datas de 1954, 2001 e 2017.

Jardim Têxtil, córrego Rapadura, 2017
Elaboração dos autores a partir de dados do Geosampa

Território, lugar, memória e identidade

A partir do enunciado por Santos (21), de que o território deve “superar o dualismo social-espacial”, articulamos duas outras hipóteses, para a discussão sobre território.

Território pode ser reconhecido como a camada física da superfície terrestre capaz de servir como repositório de signos selecionados e deixados intencionalmente ou de maneira espontânea, nem sempre desejados, sem intenções ou decisões coordenadas (22). Pode também se estender os limites do entendimento de território para além do mundo material e tangível. Segundo Leonardo Benevolo (23), cidade se constitui de duas camadas, um aparato físico, portanto territorial, e uma organização social que a produz, notando-se no tempo essa dicotomia, pois a estrutura social apresenta maior efemeridade do que a física. Para o autor, a definição de cidade moderna parte de seus objetos de uso enquanto tecido urbano e território como “pesquisa dos modos alternativos para organizar o ambiente construído”, fazendo com que a “interpretação do passado [...] permit[a] considerar a história da arquitetura como história do ambiente construído, produto da presença do homem sobre a superfície terrestre” (24). Simetricamente, Santos (25), quando intenciona definir território ou parte dele, o faz considerando a “interdependência e a inseparabilidade entre a materialidade — que inclui a natureza —, e seu uso, que compreende a ação humana, isto é, o trabalho e a política” (26). O autor afirma que o “território revela também as ações passadas e presentes” representadas nos elementos ou artefatos preservados, concluindo que os territórios se configuram como: “conjunto dos sistemas naturais [...] e dos sistemas de engenheiro [...] objetos técnicos e culturais [...]”, e, portanto, “são apenas condições [...]; [de modo que] sua significação real advém das ações realizadas sobre elas (27).

O artefato físico é a cidade obtida como produto do esforço coletivo, assumido o caráter físico-material de coisa ou, segundo Sandra Jatahy Pesavento, se trata da “cidade de pedra” que, de certa forma, parte da transcendência de “ideias e imagens de suas representações, [e] cria o real” (28).

Nesse trânsito de ideias, imagens e realidades, haveria uma convergência de modo que, segundo Christian Norberg-Schulz (29), as nossas experiências, o nosso “mundo-da-vida cotidiana” consistiria na dualidade de fenômenos: os “fenômenos concretos” e “fenômenos menos tangíveis”. De acordo com o autor, os fenômenos concretos são aqueles das “coisas naturais — florestas, rios, animais, pessoas”, ou das “coisas produzidas pelo homem — ruas, carros, cidades”; os fenômenos menos tangíveis seriam os sentimentos — portanto, todos os fenômenos concretos e intangíveis se complementariam a formar “ambientes”. Para Norberg-Schulz, um termo concreto para ambiente é “lugar”, de modo que as nossas experiências diárias se dão em “lugares”, e isso implica em relações quantitativas e funcionais. Para o autor, lugar não trata apenas de uma “localização abstrata”, posto que constituído de coisas concretas. O autor argumenta que as diversas funções humanas requerem lugares com propriedades diversas, e que o “mundo-da-vida cotidiana” deveria ser a “verdadeira preocupação”, particularmente dos arquitetos e planejadores, mas também do homem em geral (30), de maneira que entender a relação — homem | lugar | experiência — é fundamental para pensar a cidade.

Para Rossi (31), no amálgama de fenômenos concretos e intangíveis, os artefatos, ou fatos urbanos, encontram sua realização no locus, e as experiências individuais não podem ser desprezadas, pois são a partir delas que se pode pensar a cidade. Rossi afirma:

“Nos estudos urbanos, nunca será suficiente a importância dada ao trabalho monográfico, ao conhecimento de fatos urbanos definidos. Se negligenciarmos esses fatos — inclusive nos aspectos da realidade mais individuais, particulares, irregulares, mas, por isso mesmo, também mais interessantes — acabaremos por construir teorias tanto mais artificiais quanto inúteis” (32).

A intervenção no espaço urbano de modo sistemático ou intencional, ou de maneira espontânea, significaria, portanto, uma intervenção no cotidiano (33).

Nesse sentido, Tuan (34) afirma que as vivências ou experiências diárias aproximam as pessoas dos lugares, e essa relação afetiva entre a pessoa e o lugar caracteriza a topofilia, admitida pelo autor como neologismo que associa os “laços afetivos dos seres humanos com o meio ambiente material”. O sentimento pelo lugar adquire simetricamente o mesmo sentido de pertencer, abordado pela fenomenologia do lugar. Tuan estabelece um limite espacial, restringindo a topofilia a uma pequena extensão de território (35). Nesse sentido, as unidades de paisagem, ou perímetros territoriais com especificidades totalmente distintas, irão demandar entendimento — das partes e do todo — e, a partir disto, metodologias e soluções que deverão ser distintas para abordagens dos problemas citadinos. Para Santos (36), a relação de pertencimento se dá na utilização do território e não apenas no território em si. A definição fundamental de Santos se dá afirmando que:

“O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas; o território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho; o lugar da resistência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida. O território em si não é uma categoria de análise em disciplinas históricas, como a geografia. É o território usado que é uma categoria de análise” (37).

Rossi (38), no que se refere a lugar, aos seus limites e à sua apreensão concreta, ressalta que essa experiência singular é contornada por aspectos individuais, familiares e conhecidos permeados por contornos racionais, vinculando ao “locus” suas características morfológicas peculiares no tempo e no espaço, singularmente como “sede de acontecimentos antigos e novos”, constituindo a memória. Desse modo se impõe analisar a relação entre homem e lugar ou entre ecologia e psicologia. Rossi admite que outros autores “indicam como nexo estrutural da cidade” a “alma da cidade”, sendo isso o que a distingue — signos ligados aos elementos físicos e, por extensão, à memória (39). O autor cita Maurice Halbwachs, que afirma ser as ações humanas sobre o território que “transformam sua imagem, mas ao mesmo tempo, dobra-se e adapta-se a coisas materiais que resistem a ele” (40). Rossi afirma, em ampliação à tese de Halbwachs, que:

“A própria cidade é a memória coletiva dos povos; e como a memória está ligada a fatos e a lugares, a cidade é o ‘locus’ da memória coletiva. Essa relação entre o ‘locus’ e os citadinos torna-se, pois, a imagem predominante, a arquitetura, a paisagem; e, como os fatos fazem parte da memória, novos fatos crescem juntos na cidade” (41).

Sobre os possíveis conflitos presentes nas experiências e nas memórias individual e coletiva, Halbwachs (42) afirma que haveria maior precisão ou exatidão de relatos, se apoiados em depoimentos de outras pessoas, como se isso os legitimasse e a eles conferisse sua confirmação, mesmo defendendo que as lembranças estão abrigadas por um “estado de consciência puramente individual” (43). Sendo a memória individual em essência uma particularidade, um “ponto de vista sobre a memória coletiva”, consequentemente haveria uma relação de dependência do espaço e do tempo na qual ela se dá, e que permite uma inferência coletiva a partir dela, dentro do pressuposto que esta última deve ser entendida como uma metáfora, por “não estar ligada a um corpo ou um cérebro individual” (44). O autor admite que há, entre a memória individual e a memória coletiva, uma relação de interdependência e, vez por outra, a memória individual necessita de apoio na memória coletiva. Com relação à memória histórica, o autor entende que esta pode fundamentar a construção de um quadro referencial, no qual é possível fixar com mais precisão fatos e experiências existentes nas lembranças individuais e coletivas. Halbwachs (45) reconhece que as crianças geralmente possuem frágeis e efêmeras lembranças de fatos históricos e, desta forma, a memória coletiva garantiria que o fato presenciado fosse legitimado, mesmo que essas noções históricas representassem apenas um papel secundário. Pesavento (46) se aproxima de Halbwachs com respeito à construção de uma representação do espaço urbano não vivenciado, apoiada em um quadro histórico, quando afirma que o historiador “vai representar o já representado, re-imaginar o já imaginado”, utilizando imagens e textos como “fontes sobre as quais vai colocar suas questões”, procurando “uma versão [...] mais próxima possível do que teria verdadeiramente acontecido” (47).

Diversos autores abordam as diferenças existentes entre memória (mneme) e recordação (anamnesis). Mircea Eliade (48), referindo-se aos gregos, sugere que a segunda implica em esquecimento, enquanto Paul Ricoeur (49), distingue memória de recordação, justapondo enunciados platônicos e aristotélicos, ao afirmar, com relação à coisa lembrada, que “a memória é do passado”, consequentemente aquilo é esquecido, estaria condenado à morte.

Com relação ao conceito de memória, Joël Candau (50) reconhece que “a memória é, acima de tudo, uma reconstrução continuamente atualizada do passado”, rejeitando a ideia de que as experiências passadas possam ser totalmente “memorizadas, conservadas ou recuperadas em sua integralidade”. O autor afirma que os conceitos de memória e identidade são de extrema importância para as Ciências Humanas e Sociais, tanto quanto a noção de cultura (51).

Candau admite que memória e identidade estão indissoluvelmente ligadas e, defendendo essa interdependência, afirma que: “restituir a memória desaparecida de uma pessoa é restituir sua identidade” (52) e que “a memória é, de fato, uma força de identidade” (53). Entretanto, o autor estabelece a distinção conceitual entre identidade e memória posto que, apesar de serem entidades de representação, têm propriedades diferentes. Identidade é um estado, enquanto memória é uma faculdade. Afirma Candau:

“Consideremos em primeiro lugar a memória. Com exceção de alguns casos patológicos, todo indivíduo é dotado dessa faculdade que decorre de uma organização neurobiológica muito complexa [...]. No caso da identidade, a tentativa de depuração conceitual é mais difícil. No que se refere ao indivíduo, identidade pode ser um estado — resultante, por exemplo, de uma instância administrativa: meu documento de identidade estabelece minha altura, minha idade, meu endereço etc. —, uma representação — eu tenho uma ideia de que eu sou — e um conceito, o de identidade individual, muito utilizado nas Ciências Humanas e Sociais” (54).

Em sentido relativamente diverso, Candau (55) estabelece a noção de memória coletiva como uma possibilidade, considerando-a, entretanto, uma metáfora, e atribui às retóricas holistas a capacidade de constituir uma memória coletiva. Ricoeur alerta que alguns autores adotam uma abordagem da memória a partir de suas deficiências, defendendo-a como “nosso único recurso para significar o caráter passado daquilo que declaramos nos lembrar” (56). Seria válida, portanto, a legitimação da narrativa como produção de conhecimento, pela perspectiva investigativa por meio da narrativa de experiências individuais (57) vividas no território.

Pode-se entender que o processo de apagamento de elementos naturais, ou até mesmo antrópicos, participantes da paisagem vai, por extensão, impor seu esquecimento, implicando na impossibilidade de reapresentá-los física e concretamente como totalidade. Caberia a tentativa de resgatá-los nos quadros referenciais da memória histórica, constituídos pelas memórias individuais e coletivas, superando seu esquecimento.

Conclui-se que a eliminação dos elementos da paisagem natural original acaba por criar um vazio para quem os conhecia e os possuía em seu mundo — sendo apagados e, com o passar do tempo esquecidos. Para quem não vivenciou esses elementos ou não os conheceu — por não mais estarem presentes fisicamente, poderão, no limite, apenas ser reapresentados por meios indiretos como ferramentas de representação — mapas, fotografias, filmes, textos.

No caso da bacia do rio Aricanduva, constituída por 23 sub-bacias, a diversidade de condições territoriais abarca desde tecidos densamente urbanizados e infraestruturados, nas regiões mais próximas à sua foz junto ao rio Tietê, como situações periurbanas ou periféricas informais, às frondes rurais metropolitanas. Para reconfigurar o tecido urbano e ecossistêmico segmentado da paisagem do Aricanduva, seria preciso que se reconhecesse e compreendesse o microssistema físico e do tecido social das porções territoriais da bacia e de seus afluentes, no sentido de uma possível requalificação de relações urbanas com os rios. Propõe-se que diretrizes para um redesenho urbano potente em propiciar a integração das porções do território desconectadas possa reconfigurar a paisagem a partir do que Milton Santos considera como “homens lentos”. Adota-se a formulação de que, no ambiente urbano, há áreas “luminosas” — na acepção de Santos —, efetivadas ao sabor da racionalidade moderna, contrapostas, superpostas ou justapostas a áreas “opacas”, onde prevalece a presença dos pobres, dos homens comuns ou homens “lentos” — profundamente relacionados ao lugar e resistentes às forças da globalização —, considerados, paradoxalmente, mais velozes na descoberta do mundo. Busca-se, justamente, “entender os mecanismos dessa nova solidariedade fundada nos tempos lentos da metrópole, que desafia a perversidade difundida pelos tempos rápidos da competitividade” (58).

Considera-se a potência do desenho urbano do particular para o geral, a partir das noções de contiguidade de vizinhança e identidade individual e coletiva a partir do trabalho, da residência, e das trocas materiais e espirituais da vida (59). Tal procedimento, como metodologia, poderia configurar exemplaridades replicáveis para situações semelhantes, como insumos para políticas públicas que viessem a catalisar e desencadear processos de recomposição e reconstituição do território como chão do cotidiano, da paisagem, do lugar e da memória coletiva, para além do pertencer, ser!

notas

1
BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2009, p. 17-19.

2
RYKWERT, Joseph. Lugares da memória. São Paulo, Perspectiva, 2015, p. 32.

3
Idem, ibidem, p. 18.

4
PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre, Bookman, 2011, p. 65.

5
MOLNÁR, Ferenc. Os meninos da rua Paulo. São Paulo, Companhia das Letras, 2007.

6
SANTOS, Milton. O dinheiro e o território. In SANTOS, Milton; BECKER, Berta K. (org.). Território, territórios: ensaios sobre o ordenamento territorial. 3ª edição. Rio de Janeiro, DP&A, 2007, p. 13.

7
SANTOS, Milton. O retorno do território. In SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia A. de; SILVEIRA, Maria Laura (org.). Território: globalização e fragmentação. 4ª edição. São Paulo, Hucitec/Anpur, 1998, p. 15.

8
Idem, ibidem, p. 15.

9
SANTOS, Milton. Introdução. In SANTOS, Milton; BECKER, Berta K. (org.). Op. cit., p. 12.

10
SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século 21. 9ª edição. Rio de Janeiro, Record, 2006, p. 247.

11
TUAN, Yi Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. 2ª edição. São Paulo, Eduel, 2012, p. 145.

12
AB’SÁBER, Aziz Nacib. Geomorfologia do sítio urbano de São Paulo. Cotia, Ateliê Editorial, 2007, p. 135.

13
AB’SÁBER, Aziz Nacib. Op. cit., p. 190.

14
FRANCO, Fernando de Melo.

15
OLIVEIRA, Felipe Vieira de. Urbanização e formação socioespacial da Zona Leste da cidade de São Paulo: Aspectos históricos e forma urbana. Revista arq.urb, n. 17, set./dez. 2016, p. 4-21.

16
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 5ª edição. São Paulo, Centauro, 2011, p. 87-88.

17
Idem, ibidem, p. 87-88.

18
ROLNIK, Raquel; FRÚGOLI, Heitor. Reestruturação urbana da metrópole paulistana: a Zona Leste como território de rupturas e permanências. Cadernos Metrópole, n. 6, 2º sem. 2001, p. 43-66.

19
VILLAÇA Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/Lincoln Institut/Fapesp, 1998.

20
WITTIZORECKI, Elisandro Schltz; BOSSLE, Fabiano; SILVA, Lisandra Oliveira e; OLIVEIRA, Lusana Raquel; GÜNTHER, Maria Cecília Camargo; SANTOS, Marzo Vargas dos; SANCHOTENE, Mônica Urroz; MOLINA, Rosane Kreusburg; DIEHL, Vera Regina de Oliveira; MOLINA NETO, Vicente. Pesquisar exige interrogar-se: a narrativa como estratégia de pesquisa e de formação do(a) pesquisador(a). Movimento, Porto Alegre, v. 12, n. 2, mai./ago. 2006, p. 9-33 <https://bit.ly/3EO5xTf>.

21
SANTOS, Milton. Introdução. In SANTOS, Milton; BECKER, Berta K. (org.). Op. cit., p. 12.

22
SECCHI, Bernardo. Primeira lição de urbanismo. São Paulo, Perspectiva, 2006, p. 15-17.

23
BENEVOLO, Leonardo. A cidade e o arquiteto. 3ª edição. São Paulo, Perspectiva, 2014, p. 13.

24
Idem, ibidem, p. 29.

25
SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século 21. 9ª edição. Rio de Janeiro, Record, 2006, p. 247.

26
Idem, ibidem, p. 247.

27
Idem, ibidem, p. 248.

28
PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano — Paris, Rio de Janeiro, Porto Alegre. 2ª edição. Porto Alegre, Editora UFRGS, 2002, p. 8-10.

29
NORBERG-SCHULZ, Christian. O fenômeno do lugar. In NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). 2ª edição. São Paulo, Cosac Naify, 2008, p. 444.

30
Idem, ibidem, p. 444-445.

31
ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. São Paulo, Martins Fontes, 1995, p. 198.

32
Idem, ibidem, p. 2.

33
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Op. cit., p. 16.

34
TUAN, Yi Fu. Op. cit., p. 19.

35
TUAN, Yi Fu. Op. cit., p. 145.

36
SANTOS, Milton. O dinheiro e o território. In SANTOS, Milton; BECKER, Berta K. (org.). Op. cit., p. 14.

37
Idem, ibidem, p. 14.

38
ROSSI, Aldo. Op. cit., p. 152.

39
Idem, ibidem, p. 197

40
HALBWACHS, Maurice. Apud ROSSI, Aldo. Op. cit., p. 198.

41
ROSSI, Aldo. Op. cit., p. 198.

42
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo, Centauro, 1990.

43
Idem, ibidem, p. 25-37.

44
Idem, ibidem, p. 51-53.

45
Idem, ibidem, p. 62.

46
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Op. cit., p. 16.

47
Idem, ibidem, p. 11.

48
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo, Perspectiva, 1972, p. 86.

49
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, Editora Unicamp, 2007, p. 34.

50
CANDAU, Joël. Memória e Identidade. São Paulo, Contexto, 2019.

51
Idem, ibidem, p. 9.

52
Idem, ibidem, p. 16.

53
Idem, ibidem, p. 17.

54
Idem, ibidem, p. 21-25.

55
Idem, ibidem, p. 30-32.

56
RICOEUR, Paul. Op. cit., p. 40.

57
RICOEUR, Paul [1999]. Apud WITTIZORECKI, Elisandro Schltz; BOSSLE, Fabiano; SILVA, Lisandra Oliveira e; OLIVEIRA, Lusana Raquel; GÜNTHER, Maria Cecília Camargo; SANTOS, Marzo Vargas dos; SANCHOTENE, Mônica Urroz; MOLINA, Rosane Kreusburg; DIEHL, Vera Regina de Oliveira; MOLINA NETO, Vicente. Op. cit.

58
SANTOS, Milton. Metrópole: a força dos fracos é sem tempo lento. In Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico-informacional. 5ª edição. São Paulo, Edusp, 2013, p. 77-82.

59
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 6ª edição. Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 2001, p. 96.

sobre os autores

Altimar Cypriano é arquiteto e urbanista (FAU UnG), mestre (FAU USP), doutorando (PPGAU FAU PUC Campinas) e professor da Unicid.

Vera Santana Luz é arquiteta e urbanista (FAU Mackenzie), doutora (FAU USP), professora do PPGAU FAU Campinas e da FAU PUC Campinas desde 1986. Membro do grupo de estudos Espaço Urbano e Saúde do IEA USP.

preâmbulo

O presente artigo faz parte de Preâmbulo, chamada aberta proposta pelo IABsp e portal Vitruvius como ação para alavancar a discussão em torno da 13ª edição da Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, prevista para 2022. As colaborações para as revistas Arquitextos, Entrevista, Minha Cidade, Arquiteturismo, Resenhas Online e para a seção Rabiscos devem abordar o tema geral da bienal – a “Reconstrução” – e seus cinco eixos temáticos: democracia, corpos, memória, informação e ecologia. O conjunto de colaborações formará a Biblioteca Preâmbulo, a ser disponibilizada no portal Vitruvius. A equipe responsável pelo Preâmbulo é formada por Sabrina Fontenelle, Mariana Wilderom, Danilo Hideki e Karina Silva (IABsp); Abilio Guerra, Jennifer Cabral e Rafael Migliatti (portal Vitruvius).

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