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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Corpografia errante sobre o Caminho dos Tigres, resultante de uma experiência urbana crítica e de uma ação de microrresistência contra a invisibilização do Rio da Bulha e da presença afrodiaspórica no território de Florianópolis SC.

english
Wandering corpography on the Way of the Tigers, resulting from a critical urban experience and of one micro-resistance action against the invisibility of the Bulha River and the aphrodiaspora presence in the territory of Florianópolis SC.

español
Corpografía errante sobre el Caminho de los Tigres resultado de una experiencia urbana crítica y de una acción de microrresistencia contra la invisibilidade del Río de la Bulha y de la presencia afrodiaspórica en el territorio de Florianópolis SC.


how to quote

CAMPOS, Rafael Alves; SANTOS, Rodrigo Gonçalves. Caminhando sobre as águas invisíveis com(o) tigres. Corpografia errante sobre o Rio da Bulha e a negritude em Florianópolis SC. Arquitextos, São Paulo, ano 22, n. 259.14, Vitruvius, dez. 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/22.259/8609>.

Parto da concepção de Grada Kilomba (1) sobre a necessidade de se produzir um conhecimento emancipatório alternativo, que inclua o pessoal e o subjetivo como parte do discurso acadêmico. Como todos falam de um tempo e de um lugar específicos, não há discursos neutros. A luta para se tornar antirracista é um percurso de responsabilização para se criar formas de poder e de conhecimento, que demanda uma epistemologia que inclua a percepção da pessoa. Escrevo sobre a realidade que percebo e, por meio de um discurso lírico e teórico, pretendo transgredir a linguagem do academicismo clássico, valorizando uma perspectiva da periferia, a experiência, a errância e os afetos.

Rodrigo Gonçalves Santos (2) acredita que a cidade pode ser construída como experiência coletiva, reunindo o passado comum e o presente individual. Essa experiência urbana ocorre mediante a insurreição de corpos, em que o corpo extrapola atribuições programática de um lugar e traz à tona uma experiência da arquitetura urbana, que possibilita a apropriação e a educação dos corpos, mostrando-nos a compreensão dos vários tempos passados em um lugar que atravessa a dinâmica da cidade, evidenciando as tensões por controle do espaço e das instituições ainda latentes na urbe.

As cidades são concebidas dentro da ideologia dominante, e o racismo estrutural, que fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para a reprodução das desigualdades, promove a segregação espacial como um fenômeno fundamental para a manutenção do poder e do capital pela branquitude (3). Nesse contexto, as lutas entre opressores e oprimidos contribuem mutuamente para a beleza da obra (4), e as espacialidades da branquitude e da negritude (5) se expressam na urbe. Em Florianópolis, isso é evidente nas transformações que ocorreram no entorno do Rio da Bulha.

A construção da avenida Hercílio Luz — sobre o rio — e do primeiro reservatório de água (R-0) — junto à sua nascente — suscita memórias higienistas do início do século 20. Recentemente, o reservatório foi transformado em praça pública, por meio de táticas de mobilização da comunidade do Morro da Caixa. A produção desses dois lugares reflete as dinâmicas de poder e demonstra, por um lado, como a retificação e a alienação do rio na paisagem têm relação com a segregação urbana e a invisibilização da população negra. Por outro lado, a construção da praça pública evidencia as táticas de resistência e conquista do direito à cidade, um processo de formação de cidadania que envolve lutas étnicas, tendo no território a valorização da negritude, assunto que abordei, objetivamente, em outros artigos (6).

Aqui, apresento uma abordagem subjetiva sobre esse território que chamo de caminho dos tigres, onde me lancei como um errante criando uma experiência urbana. Para Paola Berenstein Jacques (7), os errantes urbanos são pessoas que percebem a cidade e estão focados na experiência e na transmissão das narrativas dessas vivências e, a partir desse olhar de dentro, inventam sua própria cartografia. A experiência errática constrói uma possibilidade de crítica e resistência contra a ideia de empobrecimento das relações humanas e o processo de invisibilização de corpos e histórias. A errância pode ser uma ferramenta de apreensão e de ação de microrresistência, que permitiu me afastar daquilo que era familiar, buscando o estranhamento pelo outro (8). Ao estranhar o familiar, questionei-me: como o caminho dos tigres atravessava a minha história pessoal? O que o meu corpo indagava ao mundo ao atravessar o rio? Como a minha negritude poderia corporificar esses antepassados tigres? Existiriam tigres na contemporaneidade?

Para sanar essas questões, como instrumento, utilizei o meu corpo, por meio do qual eu percebo e tensiono o mundo. Aqui, apresento uma corpografia, que é a cartografia da vida urbana realizada pelo e no corpo. Parte-se da hipótese de que a cidade e os corpos se configuram mutuamente e têm as marcas entre si das experiências urbanas que ficam inscritas sob as diversas escalas de temporalidade do espaço e do próprio corpo dos habitantes. Desse modo, tanto os corpos ficam inscritos nas cidades como as cidades ficam inscritas nos corpos que as experimentam (9).

Este ensaio no e do caminho dos tigres teve como cenário a rua, os espaços públicos e vazios urbanos. No ato de errar, eu me permiti cartografar os atores sociais e suas práticas articuladas com a paisagem, influenciei o espaço, por meio de uma intervenção artística, na qual busquei transmitir uma mensagem de afetividade com o rio, com a ancestralidade negra e com os corpos negros de sexualidade dissonante. Além disso, celebrei a minha história pessoal de afeto, que também é atravessada por esse rio. A seguir, apresento uma revisão teórica suscinta sobre os tigres e as transformações do Rio da Bulha, seguida da narrativa errante e de reflexões gerais.

Os tigres, seu caminho e a produção da cidade

Durante o período de escravismo criminoso, o transporte de águas servidas era realizado por escravizados, que equilibravam sobre suas cabeças os recipientes conhecidos como bulhas. Eles eram chamados de tigres, devido às listras causadas em seus corpos pelo líquido ácido que, muitas vezes, transbordava das bulhas (10). Em Desterro (11), um dos principais córregos utilizados para o despejo do esgoto era a Fonte Grande, que, devido a esse costume, ficou conhecido como Rio da Bulha. Os caminhos das cidades (12) são canais por onde os indivíduos se deslocam, e a concentração de um costume em um caminho pode criar uma identidade específica na mente do observador, ou seja, em termos urbanísticos, entendo o Rio da Bulha como o caminho dos tigres.

Durante a colonização, a região foi ocupada pela população empobrecida e negra. O contínuo depósito de esgoto transformou o Rio da Bulha em uma fonte de proliferação de doenças e epidemias, o que justificou a realização de obras higienistas no início do século 20, quando o Estado promoveu a retificação do rio, a construção da avenida margeando-o e a ampliação da capacidade do primeiro reservatório de água da cidade (R-0), no Morro da Caixa. Maria Inês Sugai (13) afirma que o saneamento do rio e a abertura da avenida Hercílio Luz não pretendiam solucionar os problemas sociais ali existentes. Ao contrário, os moradores foram expulsos, os cortiços e casebres foram demolidos, criaram-se normas de controle e manutenção do modelo adotado, impelindo as camadas populares a ocuparem as encostas do Maciço do Morro da Cruz. Dessa maneira, foi aberta uma nova frente para o capital imobiliário, o que contribuiu para o processo de segregação urbana.

A segregação espacial é um reflexo das enormes desigualdades sociais que se manifestam nos espaços intraurbanos. Essa segregação prevalece, pois esse é o objetivo das classes dominantes, compostas pela branquitude, a qual controla a produção do espaço urbano, por meio de três mecanismos: o mercado (no caso, o imobiliário), o Estado (mediante investimentos públicos, legislações e outros instrumentos) e a ideologia (14).

A ideologia é produzida e utilizada pela classe dominante para ocultar o modo real como as relações sociais foram produzidas, ou seja, ocultar a origem das formas sociais de exploração econômica e de dominação política. Desse modo, as ideias e representações da branquitude se tornam a ideologia de todos (15).

A ideologia sanitarista, por meio de um discurso de modernização urbana e criminalização da pobreza, foi utilizada como argumento para a expulsão da negritude. Em paralelo, em Florianópolis, também se criou um discurso pautado na valorização da colonização açoriana e no apagamento da presença de outras etnias na construção da cidade (16). O coletivo negro, no entanto, reterritorializou-se junto ao Maciço do Morro da Cruz, e as proximidades do reservatório R-0 ficaram conhecidas como Comunidade do Morro da Caixa e, ali, constituiu-se um bairro negro (17). Nesse sentido, por meio de táticas de mobilização social, a comunidade qualificou seu território ao longo dos séculos, até que, em 2019, conseguiu transformar o R-0 na primeira praça pública do bairro, demonstrando uma força ancestral de resistência e valorização da identidade negra por meio do território.

Após entender o processo de formação do caminho dos tigres, cursei a disciplina de In(ter)venções Urbanas na Pós-graduação em Arquitetura da Universidade Federal de Santa Catarina, terceiro trimestre de 2020, ministrada pelo doutor Rodrigo Gonçalves Santos, a qual provocou as seguintes inquietações: como a minha existência era atravessada por esse território negro? O que meu corpo poderia indagar ao atravessar esse caminho? Como seria se os tigres pudessem voltar a ele? Existiriam tigres contemporâneos ali? Para saná-las, realizei uma intervenção artística, na qual corporifiquei os tigres e me lancei em uma errância sobre o Rio da Bulha, buscando encontrar a água invisibilizada, as marcas de negritude no território, os tigres contemporâneos e a mim mesmo.

Narrativa errante sobre o caminho dos tigres

A intervenção urbana ocorreu no dia 14 de dezembro de 2020, na cidade de Florianópolis, das 16h30 às 19h. O objetivo foi caminhar sobre o rio, desde a foz (sob a passarela Nego Quirido) até a nascente (junto à praça do Monte Serrat). A performance foi realizada por mim, Rafael Campos, e fotografada por William Thomsen, meu marido. O Rio da Bulha faz parte da nossa história, pois nos conhecemos e nos apaixonamos em um samba nessa região, na qual também sentimos juntos a violência policial, resultante de ações higienistas contemporâneas. Nesse contexto, nossas intensidades foram compartilhadas, criando um plano de consistência em que nossos afetos tomaram corpo, delineando um território do desejo (18) que resultou em um vínculo afetivo por esse território negro. Portanto, decidimos que, nessa intervenção, também celebraríamos o nosso afeto junto ao rio.

No figurino, busquei representar os tigres ancestrais. Uma das inspirações foi o quadro de Debret, Máscara que se usa nos negros, realizado entre 1820–1930. Substitui a bulha por um turbante, indumentária muito utilizada nas religiões de matrizes africanas como proteção do Ori (19). Extrapolei o turbante, transformando-o em uma máscara. Ao esconder a face, reforço que não se trata de minha individualidade, mas de uma representação dos ancestrais, da estética da marginalidade e de uma proteção durante a pandemia do coronavírus. Inspirado na Experiência n. 3, de 1956, de Flávio de Carvalho, na qual ele foi às ruas de São Paulo de saia, utilizei uma saia curta, com padrões africanos, representando também as múltiplas possibilidades de sexualidades desses ancestrais e evidenciando a minha própria sexualidade dissonante.

Mapa do trajeto da errância com a localização das fotos registrada
Elaboração Rafael Alves Campos

Mantive o dorso nu e carreguei uma placa com uma mensagem que inspirava a ressignificação do corpo negro por meio do amor. Também me inspirei na estética dos homens-sanduíche, os flaneurs (20) contemporâneos que, ao corporificarem mensagens publicitárias, são extirpados de suas individualidades, tornando-se produtos, assim como os tigres. A placa também fala de nós, pois é um presente de casamento de uma amiga artista plástica, Carla Botto. Em letras miúdas, no rodapé, lê-se “Will e Rafa, 9/3/19, @carlabotto”.

Iniciamos a caminhada na avenida Hercílio Luz, esquina com a rua José da Costa Moellman. Ao chegarmos, a primeira reação foi de uma garota que vendia balas no semáforo e que elogiou a minha postura. Continuei caminhando sobre o canteiro, mostrando a mensagem para os ocupantes dos carros. Algumas pessoas faziam sinal de positivo ou acenavam. Um homem que passava de carro gritou “Amor!”, em tom de deboche, o que me fez lembrar de ofensas homofóbicas. Em contrapartida, em seguida, dentro de outro carro, uma garota fez sinais de coração com as mãos e, ao passar, gritou “Já estou te amando!”. A bruteza e a delicadeza das pessoas ficaram evidentes desde o princípio, seja pelo ataque do homem, seja pela acolhida das mulheres.

Fotomontagem da relação entre o figurino de tigre e o quadro de Jean Baptiste Debret, Máscara que se usa nos negros, realizado entre 1820–1830, que representa os escravizados tigres
Foto Rafael Alves Campos / Imagem divulgação

Na próxima esquina, havia dois homens negros, aparentemente em situação de rua, um pedindo dinheiro no semáforo, e o outro, acompanhado de seu cão, esperava para cruzar a pista. Ao me ver, esse último disse: “Que mensagem bonita que você trouxe! Me arrepiou, olha!”, apontou para o seu braço e continuou: “Nessa época de Natal, precisamos falar coisas bonitas mesmo, falar de amor, o mundo tá doente. Parabéns, viu”. Ele deu um grande sorriso e continuou seu caminho. O outro homem negro também sorriu e fez um aceno de aprovação com a cabeça. Pela fala do homem com seu cachorro, percebi que ele me viu como um deles e que o meu corpo negro, segurando uma placa, mescla-se com os tantos outros que ocupam as margens das vias. Aquela região é bastante ocupada por essas pessoas, pois, na passarela Nego Quirido, também chamada passarela da Cidadania, funciona o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua — Centro Pop, que disponibiliza oitenta vagas para pernoite, atendimento psicológico, banho, cortes de cabelo e refeições.

O homem que se emocionou com nossa mensagem e, no fundo, a passarela Nego Quirido
Foto Rafael Alves Campos

Chegamos, então, à passarela Nego Quirido, que, oficialmente, tem o nome Juventino João dos Santos Machado, o sambista fundador da escola de samba Copa Lord, da comunidade do Morro da Caixa. Essa é mais uma conexão interessante entre o samba, a comunidade e o rio.

Ao entrarmos na passarela, encontramos uma abertura no tamponamento, que nos permitiu ver a água pela primeira vez. Ela era escura, turva e com forte cheiro fétido. Um pouco mais à frente, estava sua foz e, ao lado dela, em meio ao mato, existia uma pequena horta, um sinal de resistência e cultivo de vida em uma praia poluída. Ao sairmos dali, encontramos um mural, pintado pelos artistas grafiteiros Tiago Valdi e Rodrigo Rizzo, que celebra o samba e a beleza da mulher negra. Esse local nos causou um misto de sentimentos: por um lado, a satisfação de ver a tradição da negritude evidenciada e celebrada; por outro, a tristeza de ver o rio dos tigres violentado, silenciado e escondido.

O rio poluído sob o tamponamento
Foto Rafael Alves Campos

À direita, a foz do rio; à esquerda, a horta em meio ao mato
Foto Rafael Alves Campos

Saímos da passarela e continuamos o nosso caminho. Naquela região de negritude, as pessoas brancas que cruzaram conosco não sorriram nem demonstraram interesse pela mensagem, na verdade, olhavam desconfiadas. Para elas, eu era invisível ou um risco, e seus comportamentos frios eram como muros nos apartando. A esse respeito, Grada Kilomba (21) fala da fantasia branca de contágio racial, que faz as pessoas brancas ser manterem distantes de áreas negras, devido à ansiedade e ao medo de contágio somático em relação à pele negra, considerada pelo imaginário branco algo inferior, sujo e mau.

Ao voltar para avenida Hercílio, cruzamos com outro homem no semáforo, que também carregava o seu cartaz e que, ao me ver, disse: “Pode ficar nesse aí que eu vou nesse aqui”, indo para o outro lado da esquina. Ao ser informado do que se tratava, ele nos parabenizou e disse que deveríamos levar “a palavra de Deus”, que era importante o amor ao próximo e que as pessoas precisavam se ajudar mais.

Olhares desconfiados sobre a passarela
Foto Rafael Alves Campos

Afeto e identificação entre homens que carregam placas
Foto Rafael Alves Campos

Seguimos em direção à travessa Ratclif, local muito conhecido pelo samba de rua. Foi em um samba, no Canto do Noel, em que eu e William nos conhecemos. Existe uma ancestralidade negra nesse lugar, segundo a narrativa de Rodrigo Stüpp, autointitulado Guia Manezinho. A região sempre foi conhecida como beco negro, beco da cortiça, beco sujo, o local onde a ordem não imperava (narrativa de Rodrigo Stüpp, durante a Tour Negros em Desterro, realizada em 23 de novembro de 2019). Segundo Henrique Cunha Junior (22), a sociabilidade da população negra é dançada, musicada, e, no período pós-abolição do escravismo criminoso, as culturas negras permaneceram existentes, com marcas mínimas registradas na edificação urbana. A tradição do samba de rua é uma dessas marcas ancestrais que se mantiveram ali.

Na mesma travessa, há o Instituto Arco-Íris de Direitos Humanos, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público — Oscip, que atende as populações vulneráveis, como LGBTQI+, profissionais do sexo, população de rua etc. Parei na esquina do Instituto, para mostrar a mensagem, e uma mulher negra indagou: “O que está escrito aí?”. Ao descobrir o significado, ela sorriu e pediu uma foto. Cruzamos os braços e, por um minuto, resistimos, juntos, com nossos punhos cerrados no ar.

No lado esquerdo, o Canto do Noel, um bar tradicional de samba e de celebração da cultura negra
Foto Rafael Alves Campos

Identificação mútua e resistência em frente ao Instituto Arco-Íris
Foto Rafael Alves Campos

Esse momento me tocou profundamente, pois fui surpreendido, ao encontrar uma pessoa que não sabe ler. Além disso, não imaginava que minha mensagem de afeto pudesse tocá-la de tal modo que a fizesse, instantaneamente, levantar-se, ultrapassar a barreira do espaço pessoal e fazer questão de ter um registro nosso. Houve uma sinergia entre dois corpos negros dissidentes, nos identificamos por meio da nossa luta e tivemos um fugaz e intenso momento de resistência e afeto. Eu havia experienciado a invisibilização pela branquitude, mas essa mulher me viu e, mesmo não sabendo decifrar o código escrito, foi afetada pelo sentimento por detrás dele.

A mulher iletrada é um reflexo da realidade comprovada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE, em 2019, que afirma que negros e pardos do Brasil apresentam analfabetismo quase três vezes maior do que brancos. Pessoas brancas analfabetas, de quinze anos ou mais, somaram 3,6%, enquanto esse percentual cresce para 8,9% entre pretos ou pardos. As principais razões apontadas para a evasão escolar foram a necessidade de trabalhar (39,1%) e a falta de interesse (29,2%). Dentre as mulheres, destacam-se, ainda, a gravidez (23,8%) e os afazeres domésticos (11,5%) (23).

Em seguida, fomos para a esquina da rua Victor Meireles com a avenida Hercílio Luz, onde, no passado, experienciamos a violência policial atrelada a um processo de gentrificação em curso. Era um sábado à noite, em agosto de 2019, quando nós e uma multidão de jovens fomos expulsos dali pela Polícia Militar, com bombas de efeito moral e gás de pimenta.

A região Centro-Leste da cidade passou por diversas ações de revitalização, com foco em uma reativação de uso, principalmente no período noturno, o que atraiu turistas e o público em geral. A rua era ocupada pelos consumidores dos bares elitizados, vendedores ambulantes e por pessoas que traziam suas próprias bebidas e amplificadores de som portáteis. O funk carioca era o principal ritmo escutado, mas também havia hip-hop e samba. Nesse sentido, o canteiro era palco para a negritude e suas manifestações identitárias.

As constantes ocupações incomodaram os moradores, que acionaram o poder público, no intuído de inibir os eventos noturnos. Reuniram-se Associação de Moradores, Associação de Comerciantes, Polícias Civil e Militar, Bope, Guarda Municipal, Prefeitura e Câmara de Dirigentes Lojistas — CDL de Florianópolis (24), que definiram um toque de recolher à meia-noite, com o encerramento das atividades comerciais e a proibição dos vendedores ambulantes e do som nas ruas, além disso, a polícia passou a expulsar as pessoas após o horário.

Segundo declarações oficiais da promotoria de justiça, a ação visava evitar o fechamento dos estabelecimentos comerciais, devido à ausência de “pessoas de bem”. Um representante da CDL deu a seguinte declaração: “O público que ocupa esse espaço, após o fechamento dos bares, prejudica não só a rotina e o movimento dos estabelecimentos da região como também o sossego dos moradores”. Nesse sentido, a Polícia Militar — PM afirma “garantir o sossego na região do Centro Histórico e que não vai permitir que bailes funk sejam realizados no meio da rua” (25).

Nas falas das entidades dominadas pela branquitude, fica evidente a dicotomia do discurso, definindo os limites entre as pessoas de bem (moradores, comerciantes, consumidores) e os outros, perigosos, que permaneciam nas ruas escutando funk após o encerramento do comércio. Em outras palavras, as pessoas que deixavam de ser consumidores tornavam-se, automaticamente, incômodos, um risco para o comércio e eram dignas de expulsão.

Ainda, é válido destacar o marcador étnico, quando tratam da criminalização do funk como tática de estigmatização da população negra. Adriana Facina (26) afirma que o “funk é central em processos de construção identitária relacionados à etnicidade e aos lugares de moradia, contribuindo para valorizar pertencimentos que geralmente são fonte de estigmatização”. Segundo a autora, essa manifestação cultural tem se tornado alvo de perseguição policial e de preconceitos relacionados aos tempos de criminalização da pobreza em que vivemos.

Após as ações policiais de agosto de 2019, ficou visível o embranquecimento da população que ocupava a avenida à noite, pois apenas os consumidores dos bares elitizados tinham o seu direito ao lazer garantido. Além disso, ocorreu a expulsão dos vendedores ambulantes e a criminalização da música no espaço público. Nesse sentido, com base nos estudos de Cunha Junior (27), podemos afirmar que as ações de revitalização do centro-leste são processos de produção do espaço público como espetáculo de integração diretamente ligada à dinâmica do capital. O espaço público da cidade do marketing ignora a população existente, criminaliza as marcas de negritude da paisagem e amplia as desigualdades sociais.

Ao longo dos séculos, as populações e culturas negras foram rejeitadas nas expressões da construção da urbe, de modo que os espaços públicos brasileiros não refletem os sentidos de vida da negritude, tornando essas populações estranhas aos ambientes em que vivem. Fica evidente, nesse caso, como o racismo estrutural se materializa na construção da cidade, quando vemos as instituições dominadas pela branquitude se organizarem para extirpar a ocupação natural do território promovido pela negritude.

Paramos de frequentar a região no início da pandemia, em março de 2020, e voltamos, em dezembro, para realizar a intervenção artística. Apesar de ser fim de tarde de uma segunda-feira, notamos que algumas pessoas continuavam consumindo nos bares e utilizando os bancos e as mesas sobre o canteiro. Cruzamos com um casal que se beijava e que, ao nos ver, sorriu e acenou, resistindo à pandemia, ao embrutecimento da rua e se amando sobre a água invisível.

O local de onde fomos expulsos por bombas de efeito moral, em agosto de 2019
Foto Rafael Alves Campos

Casal de amantes que se identificou com a mensagem de afeto
Foto Rafael Alves Campos

Logo adiante, em frente ao Museu da Escola Catarinense, encontramos uma obra de Bruno Bardi, artista plástico de Florianópolis, que celebra a população negra por meio de suas pinturas em espaços públicos. Ao caminharmos, mais algumas pessoas interagiram conosco: uma idosa, acompanhada por uma criança, pediu para fazer uma foto; outro homem de saia sorriu e me cumprimentou. Recebemos muitos sorrisos, acenos e carinho ao longo do caminho.

Pintura de Bruno Bardi, em frente ao Museu da Escola Catarinense
Foto Rafael Alves Campos

Mulher e criança que pediram uma foto
Foto Rafael Alves Campos

Chegamos ao final da avenida Hercílio Luz, cruzamos sobre avenida Mauro Ramos (limite entre a cidade plana e o morro), seguimos pela rua Monsenhor Topp até o fim, onde há uma escadaria bastante íngreme. Ali, conhecemos um senhor negro, com dreads, que usava uma camiseta com o Bob Marley estampado. Ele subia vagarosamente, parando, às vezes, para descansar. Passamos a acompanhar seu ritmo lento, e ele nos contou, orgulhosamente, que era morador e que subia, diariamente, aqueles degraus há 62 anos. Consultei meu interlocutor se conseguiria chegar à praça por ali e fui informado que sim, mas que, lá em cima, eu teria “que ficar esperto e não marcar bobeira com os meninos. Tem que ficar ligado!”. Nas entrelinhas, o senhor nos alertou sobre a existência do ponto de varejo de drogas e do risco de cruzar com os traficantes.

Eu me lembrei do que diz Paola Berenstein Jacques (28) sobre as favelas de morro serem como labirintos piramidais, onde os minotauros-traficantes se escondem no alto. Para Jacques, entrar e subir são tarefas árduas e exigem que o estrangeiro esteja acompanhado de um fio-guia, um Ariadne-favelado que lhe mostre o caminho que leva ao alto, evitando, sobretudo, os esconderijos dos minotauros-traficantes. Subir ou descer o morro reveste-se de uma experiência espacial única, na qual o ritmo de caminhar é diferente, imposto pelo próprio percurso, o que a autora chama de ginga. Por meio da sua ginga, o homem de dreads se tornou meu fio-guia e me avisou dos riscos, sem necessariamente dizer. Assim, nos conectamos pela nossa ginga e dividimos um momento de resistência.

A demonstração de um gesto afetivo entre dois homens de saia, um encontro entre nossas possíveis dissonâncias sexuais?
Foto Rafael Alves Campos

Morador com camiseta do Bob Marley e a muita resistência ao se deslocar de casa para a rua todos os dias
Foto Rafael Alves Campos

Decidimos, então, voltar e continuar por outro caminho; nos permitindo nos perder pelo labirinto piramidal, fomos surpreendidos por belas paisagens a cada curva, até que tivemos a melhor surpresa, encontramos, novamente, um veio de água e, dessa vez, mais limpa. Refleti que, mesmo o rio sendo violentado com a poluição, a nascente continua brotando água cristalina diariamente. No asfalto, o rio invisibilizado não passa de esgoto, mas, no morro, ele ainda está vivo.

Continuamos a árdua caminhada por uma via íngreme, até que encontramos um muro colorido da praça, com corrimão e bancos de madeira, onde descansamos por alguns instantes.

Caminho do rio por entre as casas do morro
Foto Rafael Alves Campos

As cores vibrantes do muro embelezam a paisagem, enquanto os corrimãos e bancos instalados auxiliam a difícil tarefa de vencer a acentuada inclinação da via
Foto Rafael Alves Campos

O reservatório R-0 é uma marca do poder hegemônico que suscita memórias higienistas. A construção da praça envolveu diversas táticas de resistência da comunidade, como autogestão, reapropriação, realização de contrausos (29) que possibilitam a construção de um legítimo espaço público politizado, que evidencia a identidade afrodiaspórica da comunidade. Em uma entrevista, o padre Vilson Groh (um ator importante na comunidade) afirmou que a obra buscava:

“Romper com o processo de invisibilidade e trazer a beleza de uma pele, de uma cor, de uma etnia, de um povo, numa perspectiva de repensar a cidade. Nós também queremos, com a praça, romper com um processo de consumismo, pois uma coisa é ir num shopping, que é um lugar para a exposição do fetiche da mercadoria e representa o encontro da ideologia do mercado, como diria o velho Marx, enquanto a praça pública é o espaço do coletivo, do meio ambiente, da realidade, da concretude dos rostos visíveis. É um lugar para contracenar o cimento verticalizado armado com os labirintos. Os labirintos têm cheiro, têm cor, têm mistério, enquanto o cimento armado verticalizado é inodoro.
A caixa d’água é muito paradoxal, quando se olhava de baixo e o pensamento deles se ligava à imagem com o tráfico, com violência, e, agora, a caixa está ligada a um espaço de cultura, então, como esses olhares podem ser desconstruídos, reconstruídos e ressignificados” (30).

De fato, ao chegarmos à praça, fica evidente a valorização da negritude refletida em mais uma obra de Bruno Bardi, que representa Seu Teco, um morador que ajudou a construir a comunidade do Monte Serrat. Ao me posicionar para a foto, fiquei de costas para o interior da praça, então, um grupo de meninos notou a minha saia e começou a fazer piadas homofóbicas; é possível ver um deles sobre o guarda-corpo. Quando entrei na praça, todos saíram correndo para longe.

Começamos, então, a explorar o lugar, como a fonte de água que faz referência às matriarcas lavadeiras do morro. Em seguida, outro grupo de crianças se aproximou, dessa vez, eram cinco meninas e um menino, o que me fez lembrar da minha própria infância, quando preferia andar com as meninas, em vez de andar com o grupo de meninos, principalmente pelos constantes ataques que sofria deles. Elas estavam extremamente interessadas, nos interrogaram de onde vínhamos, o que significava a placa, sobre nosso relacionamento e mais indagações, as quais foram respondidas com sinceridade e naturalidade.

Em um momento, as crianças questionaram: “por que você está de máscara?". Respondi: "porque estamos na pandemia do coronavírus; todo mundo deveria estar usando máscara, inclusive vocês". Nesse momento, percebi suas expressões de estranhamento, como se elas tivessem sido lembradas de algo muito distante. Isso pode estar relacionado à condição familiar dessas crianças, pois, segundo Daniel T. Ferreira, Pedro Siemsen, Amanda Gorziza e Renata Buono (31), 86% da população teve de trabalhar presencialmente durante a pandemia, deixando as crianças em casa com alguém ou sozinhas. Para as crianças que encontramos na praça, o uso da máscara e o medo da pandemia não pareciam ser relevantes. Talvez, valha a reflexão de que, para a população preta, pobre e do morro, o vírus mortal é só mais um dos inúmeros problemas que colocam a vida dessas pessoas em risco, com a extrema pobreza, a fome e a violência urbana.

Entrada da praça, com destaque para a representação de “Seu Teco”, feita por Bruno Bardi
Foto Rafael Alves Campos

A fonte de água que representa as mulheres lavadeiras que buscavam as fontes e os rios para garantir o sustento
Foto Rafael Alves Campos

Aos poucos, outras crianças se aproximaram, inclusive, um menino do primeiro grupo que havia corrido. Ao descobrir que realmente éramos um casal, ele começou a fazer piadas, gritando para os outros amigos, que se mantinham distantes, mas nós continuamos agindo com naturalidade e não demos atenção para a brincadeira homofóbica que logo cessou, e o menino se afastou novamente. A homofobia incrustada na sociedade se evidencia nas manifestações do menino. Em contrapartida, a maioria das crianças não demonstrou esse comportamento, pelo contrário, essas crianças estavam muito solícitas às trocas. No fim, o garoto que andava com as quatro meninas pediu para usar a minha placa; foi como se ele quisesse estar o meu lugar. Ao conversarmos, senti uma conexão entre nossas histórias e, possivelmente, entre nossas dissonâncias.

O grupo de crianças interessadas em tudo a nosso respeito
Foto Rafael Alves Campos

As crianças vestindo a mensagem de afeto
Foto Rafael Alves Campos

Reflexões

A cidade é um campo em disputa que reflete séculos de exclusão. Os espaços físicos e a organização produzem e mantêm o capital e refletem a ideologia dominante, com destaque para o racismo estrutural, que garante privilégios à branquitude, enquanto segrega e desfavorece a negritude. A desigualdade é fundamental para a manutenção do poder e do capital pela minoria opressora; a despeito disso, oprimidos têm no território e na sua própria existência a sua maior resistência.

Existe um apagamento da população negra nas narrativas oficiais de construção das cidades. A forma urbana da negritude está à margem do pensamento e da prática urbanística no Brasil. Esses territórios se configuram pela presença das pessoas e de tradições afrodiaspóricas, por ancestralidades e afroinscrições (32). Para nós que queremos produzir cidades antirracistas, é fundamental entender a realidade e garantir o direito à memória como possíveis ferramentas para mudanças.

Na ilha de Santa Catarina, as transformações no entorno do Rio da Bulha refletem as disputas de poder e rememoram a existência dos tigres em Desterro. Visando encontrar um modo subjetivo de abordar a cidade, o rio e os tigres, busquei a cartografia como modo de pensar. Como afirma Raquel Rolnik (33), a cartografia permite desmanchar certezas e criar mundos novos para expressar e dar língua a afetos contemporâneos.

Por meio de diversas formas de expressão, busco entender a cidade e os corpos, principalmente em relação à diáspora africana. Utilizando o meu próprio corpo como ferramenta, eu me lancei em uma errância urbana, como uma prática artística, de pesquisa e de microrresistência; falo sobre afeto, passado e presente, dissonâncias e margens, sobre mim e sobre alteridade.

Ao longo do caminho, percebemos que os corpos dissonantes foram, em geral, os mais afetados e que nos afetaram. Ao tentar representar os tigres e ressignificar o corpo negro na cidade, cruzei com aqueles que, de alguma maneira, hoje, ocupam esses lugares marginalizados, que eu considero os tigres contemporâneos. Junto à foz do rio, onde a água é turva, poluída e invisibilizada, encontramos também muitos negros marginalizados, violentados pelo sistema capitalista. Eles foram afetados pela mensagem e nos emocionaram com suas palavras ou ações.

Naquela região, também me senti invisibilizado pela branquitude. Não por acaso, a região foi planejada pela branquitude para o carro; as inúmeras pistas foram construídas para dar vazão às máquinas, e não aos afetos; sobre os canteiros, onde as pessoas não devem ficar, apenas os tigres resistiam à selva fria de concreto e asfalto, caminhavam e criavam suas espacialidades efêmeras.

A avenida Hercílio Luz é o território da luta constante entre forças de dominação, é um espaço público, construído por meio de ações higienistas e que ainda é pautado pelo mercado. Os usuários são respeitados, enquanto consumidores, e a branquitude, mediante a dominação das instituições, continua tentando expulsar as manifestações identitárias afrodiaspóricas.

Por sua vez, na praça junto à nascente do rio, encontramos um espaço público diverso, ocupado densamente por crianças negras. Nos vimos nelas e elas em nós, demonstramos a nossa maneira de existir, e elas nos acolheram com tanto afeto que nos fizeram acreditar que as futuras gerações podem lidar, com mais naturalidade, com a diversidade sexual. Não por acaso, esse local foi constituído mediante a organização popular da comunidade e tem a coletividade como princípio fundamental. A praça tem a marca da comunidade negra que a conquistou, e os corpos que a ocupam refletem seu modo de produção.

Ao me jogar no inesperado, carregando uma mensagem de afeto, fui inundado por afeto de volta. A experiência resultou nesta corpografia sobre o caminho dos tigres apresentada aqui e em formato de vídeo (34).

notas

NE — Este artigo foi originalmente apresentado no evento Salvador e Suas Cores 2021 — 7ª Edição — 18/11/2021].

1
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro, Cobogó, 2019.

2
SANTOS, Rodrigo Gonçalves. In(ter)venção urbana: quando o corpo é método e não obstáculo. In RAPOSO, Paulo; RENCK, Allende; HEAD, Scott (org.). Cidades rebeldes: invisibilidades, silenciamentos, resistências e potências. Florianópolis, Editora UFSC, 2014, p. 109–212.

3
ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo, Sueli Carneiro/Pólen, 2019.

4
LEFEBVRE, Henry. O direito à cidade. 5ª edição. São Paulo, Centauro, 2001.

5
A branquitude é um conceito ético e ideológico que demonstra um lugar de privilégios sociais e que produz o racismo. Não se trata do oposto de negritude, pois essa palavra tem um sentido de pertencimento e orgulho de um coletivo; trata-se de uma busca pelo reforço identitário e de resistência.

6
CAMPOS, Rafael Alves de; CASTELLS, Alicia Norma González de; JEFFE, Ana Paula Magalhães; LOCH, Marcia do Valle Pereira. A constituição de espaços públicos pela negritude e branquitude em Florianópolis: os casos da avenida Hercílio Luz e praça Monte Serrat. Cadernos de pós-graduação em arquitetura e urbanismo, v. 20, n. 2, São Paulo, jul./dez. 2020, p. 41–57 <https://bit.ly/3OPYGvZ>; CAMPOS, Rafael Alves de; DONATO, Larissa. No caminho dos tigres: retrato de um rio e sua relevância como espaço público para a população negra de Florianópolis SC. Conflitos e conquistas do passado e do presente. Anais Jornadas Antropológicas PPGAS UFSC 2019. Antropologia, vidas em ebulição e mundos em ruínas, v. 1, n. 1, Florianópolis, UFSC, 2020 <https://bit.ly/3bsyo5g>.

7
JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos errantes. Salvador, Edufba, 2012.

8
Idem, ibidem.

9
O termo “corpografia”, cunhado por Paola Jacques e Fabiana Dultra Britto refere-se a um tipo de registro da cidade no corpo de seus habitantes que não distingue o objeto cartografado de sua representação. Partindo do princípio de que o corpo e a cidade se relacionam com a corpografia, busca-se, por meio do registro das experiências espaço-temporais, compreender as configurações de corporalidade como memórias corporais resultantes da experiência de espacialidade, e as configurações urbanas como memórias espacializadas dos corpos que as experimentaram. Explicitam-se micropráticas cotidianas do espaço vivido, apropriações diversas e experiência corporal dos praticantes ordinários das cidades que evidenciam o que o projeto urbano exclui. JACQUES, Paola Berenstein. Op. cit.

10
SANTOS, André Luiz. Do mar ao morro: a geografia histórica da pobreza urbana em Florianópolis. Tese de doutorado. Florianópolis, PPGGEO UFSC, 2009 <https://bit.ly/3zisX0O>.

11
Desterro era o nome da cidade de Florianópolis no período colonial.

12
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo, Martins Fontes, 1980.

13
SUGAI, Maria Inês. Segregação silenciosa: investimentos públicos e dinâmica socioespacial na área conturbada de Florianópolis (1970/2000). Florianópolis, Editora UFSC, 2015.

14
VILLLAÇA, Flávio. Espaço intraurbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp/Lincon Institute, 2001.

15
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo, Brasiliense, 2010.

16
MAIA, Cauane Gabriel Azevedo. Vozes negras em Florianópolis: escrevivências antropológicas do Morro das Mulheres. Curitiba, Appris, 2020.

17
O conceito de bairros negros é, relativamente, recente no urbanismo; refere-se a locais da cidade em que a maioria da população é afrodescendente e, em geral, esses locais ficam às margens, em relação ao centro, tendo em vista que o conceito de centro x periferia tem relação com a existência de benefícios e infraestrutura no primeiro e ausências no segundo. CUNHA JUNIOR, Henrique. Espaço público, urbanismo e bairros negros. Curitiba, Appris, 2020.

18
ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2011.

19
Ori significa cabeça, em Yorubá.

20
O flaneur foi popularizado por Baudelaire, em seu texto de 1863, e se refere à figura mítica que flana pelas ruas de Paris na companhia de uma tartaruga. Ele usa o ritmo lento para observar, atentamente, as ruas e fazer uma crítica contra a velocidade imposta pela modernidade positivista. Os homens-sanduíche, ou homens-placa, poderiam ser considerados flaneurs contemporâneos que passam todo o dia vivendo e observando as ruas da cidade atual.

21
KILOMBA, Grada. Op. cit.

22
CUNHA JUNIOR, Henrique. Espaço público, urbanismo e bairros negros. Curitiba, Appris, 2020.

23
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Educação 2019. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento. Rio de Janeiro, IBGE, Centro de Documentação e Disseminação de Informações, Gráfica Digital, 2020 <https://bit.ly/3rJMwf6>.

24
CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE FLORIANÓPOLIS. Bares e restaurantes da Victor Meirelles reduzem horário de atendimento para meia-noite. CDL Florianópolis, 22 ago. 2019 <

25
REDAÇÃO ND. Vídeo: confusão entre PM e público marca noite de sexta-feira no Centro de Florianópolis. NDTV, Florianópolis, 24 ago. 2019 <https://bit.ly/3eno7sI>.

26
FACINA, Adriana. “Não me bate doutor”: funk e criminalização da pobreza. Anais Eletrônicos do Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, Salvador, UFBA, 27 a 29 de maio de 2009 <https://bit.ly/3epO8rl>.

27
CUNHA JUNIOR, Henrique. Op. cit.

28
JACQUES, Paola Berenstein. A estética da ginga: arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica. 4ª edição. Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2011.

29
LEITE, Rogério Proença. Contra-usos e espaço público: notas sobre a construção social dos lugares na Mangetown. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 17, n. 49, São Paulo, jun. 2002, p. 115-134 <https://bit.ly/3TaPSDt>. Os contrausos, segundo Rogério Proença Leite, são táticas associadas à dimensão espacial do lugar, que possibilitam a subversão de usos esperados para um espaço regulado, principalmente espaços gerados por processos de gentrificação. Os contrausos podem promover a demarcação socioespacial da diferença, a ressignificação de lugares e a politização da paisagem urbana.

30
GROH, Vilson. Depoimento a Rafael Alves Campos, mar. 2020.

31
FERREIRA, Daniel T.; SIEMSEN, Pedro; GORZIZA, Amanda; BUONO, Renata. Mais longe da saúde, mais perto do vírus. Piauí, São Paulo, 19 abr. 2021 <https://bit.ly/3cXc5oX>.

32
Termo criado por Henrique Cunha Junior, e que se refere à existência de marcas na paisagem que façam referência à africanidade dos territórios.

33
ROLNIK, Suely. Op. cit.

34
Ao me jogar no inesperado, carregando uma mensagem de afeto, fui inundado por afeto de volta. A experiência resultou nesta corpografia sobre o caminho dos tigres apresentada aqui e em formato de vídeo , o qual pode ser visto em: CAMPOS, Rafael Alves. Caminhando sobre águas com(o) Tigres. YouTube, San Bruno, 28 abr. 2021 <https://bit.ly/3T7uyPa>.

sobre os autores

Rafael Alves Campos é doutorando e mestre em arquitetura pelo Pósarq UFSC e graduado em Arquitetura pela UEM. Foi professor universitário e atualmente é pesquisador com dedicação exclusiva ao grupo Quiasma de estudos e pesquisas interdisciplinares em arquitetura, corpo e cidade, com foco nos atravessamentos entre questões étnico-raciais e a produção do espaço público.

Rodrigo Gonçalves dos Santos é arquiteto e urbanista, doutor em educação e mestre em engenharia de produção pela UFSC. Professor do Pósarq UFSC, coordenador do grupo Quiasma de pesquisas interdisciplinares em arquitetura, corpo e cidade, com foco nas experiências estéticas e suas articulações entre a apreensão da arquitetura e da cidade contemporânea com o campo sensível e a poética do espaço.

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